Publicado 26/09/2017 10:51
De volta à pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a redução da maioridade penal será discutida nesta quarta-feira 28. Originalmente proposta pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), hoje ministro das Relações Exteriores, a PEC 33/2012 previa, para menores entre 16 e 18 anos que cometeram crimes graves, punição pelo Código Penal e não pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Relator da matéria, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) apresentou um substitutivo que retira a "inimputabilidade penal" de menores que cometam, além de crimes hediondos, homicídio doloso, lesão seguida de morte e reincidência em roubo qualificado. Ao contrário do que previa a proposta original, o relator retirou da lista o crime de tráfico de drogas.
O retorno do debate deveria deixar a sociedade em alerta, afirma José Gregori, fundador do PSDB, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo. Para Gregori, a PEC representa apenas a defesa de uma bandeira ideológica, pois os argumentos proferidos pelos defensores não possuem base na realidade, tendo em vista que não há nenhum dado científico a comprovar benefícios da medida.
Em entrevista a CartaCapital, Gregori aponta a ineficiência do debate e esclarece que a aprovação da PEC não representa avanços positivos para o Brasil, pois se mostra apenas uma política "punitivista".
CartaCapital: Como o senhor enxerga a redução da maioridade penal?
José Gregori: Sou historicamente contra. O que se conseguiu com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com relação à maioridade penal é um grande avanço. Não existe razão em dizer que a diminuição da violência ocorrerá caso reduza. As pessoas que defendem desejam apenas a penalização, pois a diminuição da idade é aleatória. Por que 16 anos? Não existe nenhum dado científico que embase isso.
A redução dará para a sociedade a falsa impressão de que esse problema é uma questão penal, quando na realidade não é. Existem outros componentes que precisamos devotar mais atenção, como a educação, a saúde e a responsabilidade paterna. Mexer na lei dá a sensação de que o problema será resolvido, quando na verdade a mudança é apenas uma tendência histórica brasileira que nunca deu certo.
CC: Depois de mais de um ano, o Senado voltou a pautar o projeto da redução da maioridade penal. Como o senhor vê essa iniciativa?
JG: Existe uma corrente ideológica no Brasil, autointitulada de direita, que precisa defender certas bandeiras que funcionam como definidores de uma posição ideológica. Um desses itens é a redução da maioridade penal, que é um mero capricho ideológico.
Na verdade esses defensores nunca apresentaram argumentos sólidos que comprovasse a diminuição da situação de violência no Brasil. Por outro lado, aqueles que são contra apresentam uma ofensiva esclarecedora.
CC: O senhor avalia que a aproximação do período eleitoral pode influenciar esse debate?
JG: Hoje, o pensamento gira em torno da ideia de que se tem um governo de direita, e por isso é necessário defender essa pauta por estar próxima à ideologia. Na primeira tentativa, quando tinham a liderança do Eduardo Cunha na Presidência da Câmara, ele imputou a ideia que esta bandeira estava diretamente relacionada à direita. Agora, com ele preso e com o atual governo, este item volta a ser discutido pela mera relação com o campo conservador.
CC: Pesquisas indicam que boa parte da população é favorável a punições mais severas para os menores. A que o senhor atribui isso?
JG: A população pensa que o menor infrator não sofre nenhum tipo de consequência à sua liberdade. Pensam que não há nenhum tipo de punição quando na verdade temos, por exemplo, a Fundação Casa lotada.
Quando esta criança comete um crime, passa por tratamentos sérios com agentes de saúde e do trabalho para atingir algum nível de recuperação. Mas essa verdade não é divulgada para a população, então as pessoas supõem que o menor infrator no Brasil não está sujeito a nenhuma consequência quando na verdade está.
Não é um problema simples, pois envolve estrutura familiar, envolve questões sérias de desigualdade social. Mas não é com a mudança do marco legal da menoridade que conseguiremos resolver a situação.
CC: O relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB) prevê uma lista de crimes nos quais o Judiciário poderá desconsiderar a “inimputabilidade penal”. O resultado será a prisão de pessoas entre 16 a 18 anos. Quais as repercussões dessa medida?
JG: Eles passarão a ter o tratamento de uma pessoa que irá para a prisão, que no caso brasileiro tem como função principal afastar o indivíduo da sociedade, e não recuperá-lo. Ou seja, vai se imputar a um menor de idade com condições de recuperação a identidade de prisioneiro, o que leva a aposta da recuperação a praticamente zero.
Então, não há vantagem pra sociedade a não ser uma vantagem punitiva. No caso brasileiro, a insistência é ainda uma questão ideológica, não há nenhum benefício na luta contra a violência no País.