A singularidade do messianismo de Canudos

A fé e a devoção são algumas das características mais marcantes do sertanejo. Um dos alicerces da sociedade durante muitos séculos, a Igreja Católica sempre determinou regras para o exercício da religião. Neste contexto de busca pela espiritualidade, muitas pessoas seguiram Antônio Conselheiro pelo sertão nordestino até a fundação de Canudos.

Antônio Conselheiro - UNEB

"O movimento de Canudos tem uma relação muito íntima com a própria biografia de Antônio Conselheiro, quando ele percorre os sertões fazendo pregações. A partir de um determinado momento, Conselheiro reúne várias pessoas, que mais na frente vão formar o Arraial de Canudos", explica o professor doutor e coordenador do programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Ceará (UFC), Régis Lopes.

Segundo ele, Canudos se transformou em uma cidade no meio do sertão, marcada por um crescimento proeminente. "E é exatamente esse crescimento que vai motivar a destruição. No final das contas, esse massacre gerou uma obra clássica na nossa literatura que é 'Os Sertões' do Euclides da Cunha", acrescenta Lopes.

O professor da UFC afirma que Canudos é um movimento religioso porque a cultura sertaneja é antes de tudo uma cultura católica. "Não um catolicismo oficial, mas aquilo que a gente chama de catolicismo popular".

Entre as características desse catolicismo popular estão a existência de protetores. "Protetores no céu, que são os santos, Cristo e também Deus, obviamente. E protetores na terra, santos que vão proteger o devoto na sua vida, na sua passagem pela existência terrena. E o Antônio Conselheiro é uma espécie de santo. Ele é o padrinho de todos", explica.

Essa necessidade de uma proteção, de acordo com Lopes, é a principal característica da religiosidade de Canudos. Neste cenário, a Igreja não viu com bons olhos o movimento de Canudos por um problema de hierarquia. Só quem poderia falar sobre a mensagem de Cristo, diz o professor, era um representante oficial do Vaticano.

"O Antônio Conselheiro não era padre nem bispo, então ele não fazia parte oficialmente daquele grupo que poderia dar conselhos, mas resolveu por conta própria ser um líder católico", afirma Lopes.

O Conselheiro era mais popular do que os padres da região. Fazia mais sucesso. Era homem de palavra forte. "Então isso gera o velho problema humano de ciúme e da inveja", diz ainda o professor da UFC.

O taumaturgo atraía as pessoas por sua figura, pela ideia de santo que passava. "As pessoas, ao chegarem a Canudos, tinham de seguir uma ordem moral em relação ao casamento, ao dinheiro e à vida que levava. E elas estavam exatamente atrás dessa 'purificação'".

"Lá em Canudos só era permitido viver aqueles que tivessem em sintonia com toda a pregação de Antônio Conselheiro. Neste sentido, Canudos não era uma sociedade democrática, lá não havia eleição de representante de nenhum tipo. O Conselheiro mandava e ficava lá quem quisesse obedecer. Era uma sociedade teocêntrica, o poder vinha de um líder religioso", acrescenta.

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