Fernando Brito: O fim do Semente e o cheiro da morte no Rio

O jornal O Globo noticia o fim do Bar Semente, um ícone da nova (ou já nem tanto) boemia carioca, palco de shows e de “canjas” – as apresentações espontâneas e gratuitas de artistas, apenas pelo prazer da música – lugar de encontro na Lapa do Rio de Janeiro.

Por Fernando Brito*, no Tijolaço

semente yamandu

O genial cariucho Yamandu Costa, carioca gaúcho nascido no Uruguai define: “é uma fotografia da vergonha que nós temos da cultura popular. Nossa elite tem vergonha de ser América Latina, de ser samba, de ser choro”.

Não quer, mas paga dez vezes mais por qualquer porcaria que não é rock nem é Rio.

Diz o Datafolha que “72% dos moradores dizem que iriam embora do Rio por causa da violência”.

E que o governador Pezão e o Marcelo Crivella, mais o primeiro que o segundo, têm índices “temerísticos” de aprovação.

O povão, sabido como é, não confia na polícia (70%, entre os que ganham até dois mínimos) e a teme como aos bandidos.

O Datafolha também quis saber de quem os moradores do Rio têm mais medo. Entre as opções no questionário, 49% disseram bandidos, 23% polícia e outros 23% [medo de] ambos na mesma proporção. Só 2% responderam não ter medo de nenhum deles. O temor da polícia cresce a 28% entre os mais pobres (até dois salários mínimos de renda familiar mensal) e os mais jovens (16 a 24 anos).

A polícia – embora não todos os policiais – está metida até a medula na criminalidade e na opressão aos pobres por aqui.

Só quem não viveu nas beiras de favelas ou não convive com pessoas que moram nas comunidades pobres não sabe o que o “acerto” é a a regra por ali.

Mas é algo que nem mesmo se pode dizer que venha só deles: quando se concede poder supremo ao policial para “barbarizar”, quem se interessa em investigar e punir?

Saí do Rio, tangido pela necessidade de dar, ao menos nos finais de semana, espaço, liberdade e companhia infantil a um filho que precisava disso para se desenvolver e superar problemas. Missão cumprida, estou voltando pra lá, apesar dos avisos apavorados amigos que entram nessa justificada neura.

Não importa, o Rio é minha mãe e meu pai, foi quem me criou, quem me formou, quem me fez ser o que sou.

Não vai morrer sozinho e vai me fazer viver melhor, com a gente que tem.

E, desconfio eu, não vai morrer, por mais que o Brasil “moderno” e desumano o queira matar.

Lá no finzinho da reportagem da Folha se registra que outro cariucho como o Yamandu Costa ainda é considerado o melhor governador que este Estado já teve, Leonel Brizola, o mais citado como o melhor ocupante do Palácio Guanabara. Entre os que eram jovens ou adultos onde andou por lá (até abril de 94, 23 anos atrás), 24% para os que que têm entre 45 e 59 anos e, portanto, tinham até 22 anos quando ele deixou de governar.

Apanhou com se apanha hoje, porque Brizola era o que “defendia bandido”, porque jamais aceitou que pobre pudesse ser menos cidadão que os ricos.

Eu conheço essa gente. Conheço faz tempo. Talvez não tenha a força que tinha para lutar contra ela como quando tinha aqueles 20 e poucos anos.

Mas a vida longa me fez ter menos medo da morte e mais amor à vida, mesmo que a vida já não seja a minha.

O Rio é um resumo da história de meu país, a cidade capital que sempre aceitou todos e onde, para nascer aqui, basta amar a diversidade e a beleza que junta tudo.

Essa gente que quer todo mundo igualzinho, arrumadinho e cínico vai passar.

Mas a alma carioca, não. Vai ficar pra semente.