Leilões do pré-sal: Sucesso ou fracasso?
Dado o grande potencial atrativo dos leilões do pré-sal, as mudanças regulatórias em prol do aumento da apropriação das empresas estrangeiras evidenciam que o Estado brasileiro está abrindo mão de enormes massas de recursos financeiros e produtivos gerados pelo pré-sal.
Por Cloviomar Cararine Pereira, Eduardo Costa Pinto, Rodrigo Pimentel Ferreira Leão e William Nozaki
Publicado 30/10/2017 16:29
A segunda e terceira rodadas de partilha do pré-sal, realizadas na sexta-feira 27, começaram com atraso de mais de quatro horas em razão de uma liminar da 3ª Vara Federal Cível da Justiça do Amazonas que suspendeu o leilão na noite de quinta-feira 26. A ação, uma iniciativa do Sindipetro-AM, foi fundamentada a partir de dois eixos: lesão ao patrimônio público por uma possível perda de receita tributária, e lesão contra o desenvolvimento nacional, dada a potencial perda para a indústria nacional.
A liminar concedida pelo juiz federal apontou “suposto vício de iniciativa no projeto de lei que encerrou a obrigação da Petrobras de ser a operadora única do pré-sal, passando a ter participação mínima de 30% por campo”, além de decidir pela suspensão a fim de afastar “qualquer possibilidade de ocorrência de danos ao patrimônio público”.
Na manhã da sexta-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu reverter a suspensão. Ao comentar o evento, o atual presidente da Petrobras afirmou que a liminar concedida pela Justiça era um “ato político”. Chama a atenção esse tipo de discurso quando feito por um dos participantes do certame, que parece atuar como uma espécie de ministro de Minas e Energia invocando para si a tarefa política de questionar a Justiça e os rumos dos leilões. Tal posicionamento, uma vez mais, demonstrou como o atual CEO da Petrobras na realidade tem se posicionado muito mais como um grande articulador no processo de abertura do setor de petróleo do que como um defensor dos interesses da estatal brasileira.
Tal impressão é reforçada, em primeiro lugar, pela própria postura da Petrobras nos leilões realizados, uma vez que a empresa ingressou apenas nas áreas que já havia manifestado previamente seu interesse de exercer sua participação de operadora com mínimo de 30% dos blocos. Ou seja, um adiamento dos leilões não alteraria as chances de participação da Petrobras nas áreas desejadas.
Além disso, em segundo lugar, o indício se reafirma quando se observa o grande interesse das empresas estrangeiras nos dois leilões do pré-sal, muito superior ao observado na 14a rodada dos leilões ocorridos sob o Regime de Concessão. Dos oito blocos licitados (área 7.977 km²), seis blocos foram arrematados (6.786 km²), cerca de 85% em termos de área. O valor arrecadado com bônus de assinatura pelo governo foi de 6,15 bilhões de reais, abaixo do valor esperado de 7,75 bilhões caso todas as áreas fossem arrematadas (tabela 1). Destacou-se o elevado porcentual médio de 55,72% da parcela do petróleo excedente destinado à União resultante do leilão, bem acima do valor médio de 16,18% exigido pela ANP nas licitações. Considerando-se a média ponderada pelo volume estimado de reservas nas áreas leiloadas, esse porcentual superou a faixa dos 70%.
Participaram dessas rodadas 15 empresas de dez países estrangeiros, e desse total dez empresas estrangeiras de oito países compuseram os seis consórcios vencedores. A Shell (anglo-holandesa) ingressou em três consórcios vencedores. A Petrobras participou e venceu também nas três áreas nas quais fez oferta.
Esses resultados (duas áreas não arrematadas, elevado ágio do óleo excedente, especialmente dos consórcios liderados pela Petrobras, além de três áreas leiloadas onde a Petrobras não vai operar) novamente confirmam a relevância da estatal brasileira para o desenvolvimento do pré-sal. O grande apetite das empresas estrangeiras deve-se, em parte, ao fato de que nesse processo enquanto a Petrobras absorve o risco do investimento inicial as empresas estrangeiras incorporam retornos garantidos.
Graças ao conhecimento da Petrobras, a área do pré-sal adquiriu grande atratividade em virtude do baixo risco exploratório, dos custos de extração competitivo (< 7 US$/boe), do suficiente conhecimento geológico e da fase inicial de descobertas. Além disso, foram exatamente nas áreas em que a Petrobras participou onde verificaram-se as maiores ofertas de excedente de óleo. Por fim, as empresas estrangeiras adotaram a estratégia de fazer parcerias com a estatal brasileira (nos casos dos campos de Entorno de Sapinhoá, Alto Cabo Frio-Central e Peroba) ou atuaram em áreas que possuem proximidade com campos onde elas atuam (a Shell em Sul de Gato do Mato e a Statoil em Carcará). Logo, o ingresso das empresas no pré-sal brasileiro ocorre no “rastro” da Petrobras ou em áreas onde já detém conhecimento prévio.
Embora esses aspectos sejam centrais, cabe observar mais de perto a dinâmica de atuação da China que, por meio de diferentes empresas (Sinopec, Cnooc Petroleum e CNODC), integrou três consórcios vencedores. Sendo assim, o país asiático ingressou de modo diversificado e mais pulverizado nos leilões, na esteira da Shell e da Petrobras (as duas principais operadoras do pré-sal) e em áreas distintas.
O suposto êxito do leilão (ágio elevado e grandes volumes de recursos arrecadados por meio do bônus de assinatura) esconde, dessa forma, a subordinação da atual política de exploração e produção aos interesses estrangeiros – nesse caso, principalmente aos chineses. Em estudos anteriores, já observamos que há um roteiro estratégico das grandes empresas de petróleo e dos países interessados para tomarem suas decisões de investimento no setor.
Há uma geoestratégia em que as gigantes de petróleo se movem a partir de uma lógica próxima à militar, analisando o controle de suas reservas de petróleo e de seus territórios e também de seus competidores, dado o cenário geopolítico e os interesses nacionais existentes.
No caso da China, a crescente demanda interna por petróleo, o interesse global de se posicionar em outras regiões fora da Ásia e o acesso a novos espaços territoriais são alguns dos interesses que moveram o país a ingressar no setor de petróleo e gás (P&G) brasileiro com a intensidade mencionada anteriormente.
Além de parcerias em outros segmentos da cadeia de P&G, na exploração e produção, a China, que já possuía acordos de cooperação para fornecimento de petróleo com a Petrobras, consolidou-se como o segundo grande “parceiro” brasileiro no pré-sal. Até o mais recente leilão, a Sinopec tinha participação nos campos de Carioca e Sapinhoá (Bacia de Santos) e também tornou-se concessionária do bloco BM-C-33, na Bacia de Campos.
Segundo a ANP, em agosto de 2017, a petroleira chinesa ocupava a terceira posição entre os maiores produtores de petróleo e gás do Brasil, com uma produção de 103.407 barris equivalentes por dia. Além da Sinopec, a Cnooc e CNPC ingressaram como sócias no leilão de Libra em 2013. Somando as licitações da segunda e da terceira rodada, a China obteve um volume de reservas de óleo recuperáveis superior a 3 bilhões de barris (tabela 2).
Como observado nos artigos anteriores desta série ("Pré-sal e os interesses em jogo: realidade e desafios"), há uma estratégia de atração do capital estrangeiro que se explicita com as mudanças regulatórias e com o aumento da apropriação da renda petrolífera pelas empresas de fora. Essa abordagem, na contramão dos interesses nacionais, desfruta de forte apoio da gestão da Petrobras, a despeito da estatal brasileira ser uma concorrente das operadoras estrangeiras.
Dado o grande potencial atrativo dos leilões do pré-sal, as mudanças regulatórias em prol do aumento da apropriação das empresas estrangeiras evidenciam que o Estado brasileiro está abrindo mão de enormes massas de recursos financeiros e produtivos gerados pelo pré-sal. Isso diminui a capacidade nacional de controle da renda do petróleo nessas áreas, na medida em que importantes fases produtivas de maior valor agregado (intensivas em renda e tecnologia) serão desenvolvidas em outros países – sem que isso gerasse grandes efeitos sobre o desempenho da segunda e terceira rodadas.
Desse modo, a inserção das empresas estrangeiras na exploração do pré-sal está muito mais relacionada à pressão por elas exercida desde a descoberta das reservas, em um cenário em que ascendeu no Brasil um governo de caráter fortemente desnacionalizante, do que com medidas institucionais e setoriais. Tais medidas têm, inclusive, como característica geral a quebra de instrumentos importantes para assegurar que a forma de exploração do pré-sal fosse controlada pelo Estado Nacional.
Os resultados do leilão expressam, portanto, duas facetas de uma mesma moeda: o sucesso do esforço tecnológico e exploratório da Petrobras e a fragilidade institucional de assegurar que os frutos desse esforço sejam usufruídos pela própria Petrobras em particular e pela sociedade brasileira em geral.
*Cloviomar Cararine Pereira é economista, técnico do Dieese e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (Geep/FUP). E-mail: [email protected]; Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da UFRJ e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (Geep/FUP). E-mail: [email protected]; Rodrigo Pimentel Ferreira Leão é economista, foi gestor de planejamento da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros), é pesquisador da Cátedra Celso Furtado-FESPSP e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (Geep/FUP); William Nozaki é rofessor de Ciência Política e Economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (Geep/FUP).