“Lenin em Outubro”, sementes da revolução proletária

Épico do cineasta russo Mikhail Romm reconstrói os dias que antecederam a Revolução Soviética mostrando a ação de Lenin e dos comitês populares.

Por Cloves Geraldo *

R. Coitinho: Homenagem a Lênin; interpretar e transformar o mundo - Reprodução

Épico do cineasta russo Mikhail Romm reconstrói os dias que antecederam a Revolução Soviética mostrando a ação de Lenin e dos comitês populares.

O embate entre as estratégias de Lenin (Vladimir Ilitch Ulianov, 1870/1924), líder do Partido Bolchevique, para desencadear a revolução em 1917, em meio a I Guerra Mundial (1914/1918), e as de Kérensky (Aléxander Fyódorovich, 1881/1970), primeiro-ministro socialdemocrata do Governo Provisório, para manter a burguesia no poder, demarca a narrativa deste épico sobre a Revolução Proletária na Rússia. Como dois xadrezistas, eles deslocam militantes e tropas para evitar a ação do outro.

Com esta configuração narrativa, o cineasta russo Mikhail Romm (1901/1971) e seu roteirista Alexei Kapler (1903/1979) mostram neste “Lenin em Outubro”, lançado em DVD pela CPC-UMES, que Lenin triunfou porque seu partido montou os sovietes (comitês revolucionários), em fábricas, portos, navios, fazendas, escolas, cidades e se enraizou no povo. Enquanto a Kérensky restara a burguesia, a nobreza, os oficiais e segmentos da classe média, que logo sucumbiram à revolução no país.

Contudo, os fatores que a fermentaram vieram da miséria, da fome e da guerra, que atingiu milhões de russos e abriu caminho para a unidade proletários/camponeses, matizada pelo slogan: “Pão, Paz e Terra”. Lenin, tendo chegado a Moscou, vindo da Finlândia para desencadear a revolução, tinha isto em mente, ao afirmar em suas táticas e orientações: “Não existe força no mundo fora a força da Revolução Proletária”. Ou: “Não temos o direito de esperar enquanto a burguesia afoga a Revolução”.

“Todo Poder aos Sovietes”

Durante o curto período em que esteve refugiado num apartamento, longe dos espiões de Kérensky, ele urdia amalgamar interesses de camponeses e proletários sob a palavra de ordem “Todo Poder aos Sovietes”. Isto lhes dava autonomia para levar adiante a tomada de pontos estratégicos para, enfim, ocupar o centro do poder russo, configurado no Palácio de Inverno. “Os escravos estão se levantando”, diz um camponês. Tal confiança lhe granjeou tal simpatia, que o queriam ver pessoalmente.

Romm se vale da sagacidade de Lenin (Boris Shchukin) para traçar seu perfil de líder dedicado à teoria e à ação. Através do militante-segurança, Vassily (Nikolai Okhlopkov), ele se manteve em contato com o Comitê Militar Revolucionário (CMR), integrado por Stalin (Josef, 1878/1953), entre outros. E se submetia às tarefas dadas pelo Comitê Central a Vassily e à segurança Anna (Yelena. Shatrova), chegando a dormir no chão, dada às humildes acomodações do cômodo onde se refugiou longe dos espiões.

Mas ao longo da narrativa, Romm inclui várias subtramas em que os sovietes executam suas estratégias. Inclusive na fábrica onde cercam as tropas de Kérensky, por estarem armados e em maioria. Isto lhes dá protagonismo e disposição para levar adiante a Revolução Proletária, diante dos planos do Governo Provisório para deter o avanço bolchevique e um de seus ministros defender enfaticamente: “É preciso matar Lenin”.

Romm adiciona épico e suspense

Com esta ameaçadora sentença, Romm adiciona suspense a seu épico, dilatando o tempo de ele chegar ao Instituto Smolny, escapando ao cerco montado para o liquidar. Conta muito a forma como as sequências são articuladas usando os acordes musicais de Anatoli Alexandrov, o encadear da dialética montagem de Tatyana Likhachyova e a esplêndida fotografia em p&b de Boris Volchek para manter o espectador na expectativa.

Embora trate do mesmo tema que seu compatriota Serguei Eisenstein (1898/1948) no clássico “Outubro” (1927), Romm se utiliza de trama de filmes de ação e suspense. E transforma a fuga de Lenin numa fantástica construção de espionagem ao interpor uma série de barreiras, coincidências, disfarces e dribles nos espiões e nas tropas de Kérensky que remontam ao cinema mudo, levando o espectador a torcer por ele.

Porém é nas sequências finais que Romm se supera na construção da montagem dialética, ao alternar planos dos soldados e dos revolucionários. Durante os combates vê-se que para estes tomar o Palácio do Inverno (e não só ele) era conquistar o poder, enquanto o exército burguês se atinha à disciplina e ao soldo, sem lutar como classe oprimida. Assim, quando os sovietes os derrotam e à burguesia, nada mais lhes resta a fazer.

Revolução prometida realizou-se, diz Lenin

Durante a narrativa, Romm, que integrou o Exército Vermelho, exercita técnicas do Cinema Mudo ao usar intertítulos para dividir as sequências e chamar atenção para o conteúdo. E, além disso, adiciona sua visão político-ideológica em flashbacks dos sovietes entoando o hino proletário “A Internacional’ em toda Rússia, mostrando a vitória coletiva. Esta é sintetizada nesta emblemática frase de Lenin: “A Revolução Proletária e Camponesa, sobre cuja necessidade os bolcheviques sempre falaram, realizou-se”.