Escândalos sexuais fragilizam política britânica e governo conservador
Investigações começaram com lista de 40 nomes que circulou na semana passada em Wesminster; agora vêm à tona as ruínas de uma cultura abusiva que reinou por décadas nos corredores do poder. As denúncias enfraquecem ainda mais o já frágil governo conservador
Publicado 07/11/2017 15:50
A política britânica desencadeou um processo de realização de uma profunda faxina na cultura de abuso sexual que vem sujando os seus corredores há vários anos. Vários deputados estão sendo investigados após uma avalanche de acusações de assédio que já provocou a queda de um ministro e acertou um novo golpe contra o Governo de Theresa May. A primeira-ministra se reuniu na tarde desta segunda-feira (6) com os demais líderes de partidos para definir mecanismos de denúncia mais eficazes e cobrou que haja “uma nova cultura de respeito”.
Um mundo dominado por homens poderosos. Um fluxo constante de jovens idealistas que sonham em chegar ao topo. Longas jornada que tornam fluidas as fronteiras entre vida pessoal e vida profissional. Relações trabalhistas frágeis, critérios de contratação nebulosos. Viagens, hotéis, segredos, festas, bebida. Hollywood? Sim, mas também Westminster. A onda expansiva do escândalo protagonizado pelo produtor de cinema Harvey Weinstein, que supostamente usou sua posição de poder para abusar sistematicamente de atrizes, atingiu o centro do poder político britânico.
Na semana passada, o ministro da defesa, Michael Fallon, pediu demissão. Seu comportamento no passado, admitiu, esteve “abaixo dos elevados padrões exigidos”. Outros sete deputados conservadores estão sendo investigados pelo partido. Entre eles, Damian Green, na prática o número dois de May e um de seus mais antigos aliados políticos. O Partido Trabalhista também investiga acusações contra quatro de seus parlamentares.
“Precisamos instituir uma nova cultura de respeito no centro de nossa vida pública. Uma cultura sob a qual todos possam ter a certeza de trabalhar em um ambiente seguro, onde as queixas possam ser feitas sem preconceitos e as vítimas saibam que os casos serão investigados adequadamente”, disse a primeira-ministra nesta segunda-feira (6) antes de se reunir no final da tarde com os líderes dos demais partidos para definir uma resposta conjunta para a questão.
Tudo começou com uma lista de 40 nomes que circulou na semana passada nos círculos políticos de Wesminster, produzida de forma anônima e sem verificações, que mistura rumores de comportamentos inadequados e acusações de agressões sexuais graves. O fato provocou a abertura de um debate pertinente a respeito de como as mulheres são tratadas no mundo político britânico. “O dique foi rompido”, comentou Ruth Davidson, a jovem líder do Partido Conservador escocês. Com efeito, começam a vir à tona as ruínas de uma cultura sexual abusiva que reinou ao longo de décadas nos corredores do poder.
Mulheres trabalhistas anônimas criaram um site, chamado LabourToo, para que suas companheiras possam “compartilhar confidencialmente as suas queixas de abusos sexuais, assédio e discriminação dentro do partido”. Conforme explicou uma de suas responsáveis, o objetivo é “fazer uma compilação dos tipos de abusos sofridos pelas mulheres”. “É uma coisa que acontece em toda a sociedade”, acrescenta. “Mas o problema, aqui, é que o mecanismo de denúncia não funciona. O relato é feito a alguém dentro do partido que não é independente e que tampouco teve treinamento nessa área”.
Os líderes dos partidos decidiram conjuntamente nesta segunda-feira (6) criar um novo órgão, independente e sem ligação com as máquinas partidárias, para receber as denúncias. Estudam também uma proposta de que as equipes dos deputados não sejam contratadas diretamente por eles mesmos, mas que isso seja feito por meio do Parlamento. O trabalhista Jeremy Corbyn propôs, ainda, que os deputados recebam uma formação sobre como lidar com seus funcionários e que os sindicatos sejam envolvidos na luta contra o assédio.
Os parlamentares têm hoje em dia total liberdade para contratar ou demitir os membros de sua equipe. Estes funcionam em termos legais como autônomos: se uma assessora de um deputado se sente maltratada, não tem, em princípio, a quem se queixar além do seu superior hierárquico imediato, que é o próprio parlamentar. Se ela consegue avançar para além disso, o mais provável é que se tente silenciá-la apelando à lealdade para com o partido. Diferentemente do que ocorre em Hollywood, todos em Westminster pertencem a alguma equipe. E os escândalos varridos para debaixo do tapete constituem uma verdadeira munição nas mãos dos responsáveis pela disciplina partidária para conter qualquer esboço de rebelião.
O escândalo tem o potencial de minar ainda mais a reputação dos deputados, que já registram índices de confiança abaixo dos banqueiros, jornalistas ou corretores imobiliários. Ao mesmo tempo, já gerou uma saudável mudança cultural. Para cada deputado veterano que se inquieta perguntando a si mesmo se passou dos limites em algum momento de sua carreira há uma funcionária jovem para demonstrar que esses comportamentos não devem ficar impunes.
Os deputados investigados
No Partidos Conservador, além de Michael Fallon, ministro da Defesa que renunciou ao posto, e Damian Green, número dois de May, são investigados os deputados Stephen Crabb, Charlie Elphicke, Chris Pincher, Dan Poulter e Daniel Kawczynski. Também integra a lista o secretário de Estado Mark Garnier, que mandou uma funcionária, a quem chamava de “seios de açúcar”, lhe comprar brinquedos sexuais. Nas fileiras do trabalhismo, são investigados os deputadosKelvin Hopkins, Clive Lewis, Ivan Lewis e Jared O’Mara. Além disso, uma jovem ativista afirmou ter sido estuprada durante um evento do partido em 2011 e que um alto dirigente do mesmo a aconselhou a não tornar público o caso.
Novo golpe contra um governo fragilizado
Um ministro demitido, um deputado expulso do partido e outros seis sob investigação sob acusação de assédio. Entre eles, Damian Green, o número dois de May. O escândalo dos abusos sexuais em Westminster acertou, desde já, um forte golpe contra o frágil Governo de Theresa May, e o caso ainda está longe de ter sido encerrado.
Green é uma peça-chave do Governo. Uma figura discreta que costuma desfazer as tensões constantes e serve como ponte, assim como Michael Fallon, o ministro da Defesa demitido, entre as duas facções que se confrontam em relação ao Brexit. Uma jornalista o acusa de tê-la tocado no joelho e enviado mensagens insinuantes pelo telefone. Um ex-dirigente da Scotland Yard afirma que a polícia encontrou material pornográfico em seu computador de trabalho. Green, que nega as acusações, foi interrogado nesta segunda-feira nos marcos de uma investigação interna de que é objeto. Duas deputadas conservadoras pediram que ele seja afastado do cargo durante a investigação.
O futuro de Green está em questão, e sua eventual queda seria difícil de suportar por um Governo extremamente fragilizado. May perdeu boa parte de sua autoridade em junho passado, quando perdeu a maioria absoluta nas eleições que ela mesma havia antecipado acreditando poder, com elas, reforçar o seu poder em meio às negociações para o rompimento com a União Europeia. Essas negociações estão atualmente travadas, e a primeira-ministra, longe de se recuperar, viu a sua margem de manobra ainda mais reduzida, prensada entre os dois grupos que travam uma guerra, dentro do Governo, em relação ao Brexit.
May reagiu à saída de Fallon substituindo-o pela responsável pela disciplina do partido, o que provocou críticas entre os próprios deputados conservadores, alguns dos quais avaliam que somente a fragilidade paralisante de May é que a impediu de promover uma mudança de maior alcance. Caso Green caia, a pressão poderá aumentar até se tornar insustentável.
Os conservadores, além disso, já se preparam para eventuais eleições parciais que seriam convocadas caso as acusações provoquem a demissão de algum deputado. Com uma maioria de apenas 12 cadeiras, da qual dispõe graças a um acordo com os unionistas da Irlanda do Norte, qualquer perda seria muito grave.
O efeito bola-de-neve já leva muitos a lembrarem do escândalo de abusos em gastos oficiais que abalou a política britânica em 2009. Como ocorreu no caso do primeiro-ministro trabalhista da época, Gordon Brown, muitos criticam May por ter limitado sua reação, em um primeiro momento, a um ajuste burocrático. Para a segunda mulher a ocupar o cargo de primeiro-ministro, que sempre lutou pelos direitos das mulheres na política e que colocou no centro de seu mandato o combate contra as injustiças, o que se vê agora é uma crise que lhe caberia sob medida para operar a guinada de que ela necessita. No entanto, como denuncia uma deputada trabalhista que prefere se manter anônima, “no final das contas, ela prefere pisar em ovos, apresentando, mais uma vez, a imagem de um Governo que está à mercê dos acontecimentos”.