MP não deve se transformar em acusador sistemático

O ser humano não pode deixar de ser o centro de tudo. O valor justiça não pode ser abandonado. O humanismo não pode ser abandonado. A moderação não pode ser abandonada. Quando for preciso endurecer, não percamos a ternura, jamais, (parodiando Che).

Por Afrânio Silva Jardim*

Afrânio Jardim - Reprodução

A realidade é muito instigante e nos faz refletir. Ela desperta a nossa consciência e também, em uma perspectiva mais crítica, nos faz ver melhor a verdade que se oculta por trás dos fatos e atos do nosso cotidiano.

Recentemente, foram amplamente divulgadas, pela grande imprensa, algumas notícias que, se bem compreendidas, demonstram que o nosso “sistema de justiça penal” está ideologicamente assumindo “partido”. Vale dizer: “escola sem partido” e “justiça penal com partido” …

Como tenho constantemente salientado, a estratégia punitivista de se socorrer da grande mídia para lograr punições, previamente desejadas, está dando bastante “certo”. Tudo está virando um grande espetáculo …

O importante já não é mais a realização do valor justiça. Agora, o importante é “condenar corruptos”, colocando alguns em clausura e outros em “prisão” domiciliar, em suas belas mansões. Há muita hipocrisia nisto. A liberdade das pessoas está virando "mercadoria", objeto de troca em negócios jurídicos processuais!

Aliás, esta estratégia perversa, encontra agora um “terreno fértil”, pois os nossos órgãos de persecução penal e do Poder Judiciário, com as costumeiras exceções, são compostos por pessoas de formação conservadora, acríticas e, por vezes, profundamente elitistas.

A falta de cultura geral torna polícias, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário em “presas fáceis” do autoritarismo, de posturas simplistas e mais voltadas para o “senso comum”.

Na verdade, são raros os profissionais do Direito que, aprovados nos respectivos concursos públicos, continuam estudando e lendo sistematicamente. Os motivos desta “letargia” são vários e não cabe aqui elencá-los e comentá-los.

De qualquer forma, entendo que há um certo despreparo para o desempenho mais consequente destas relevantes funções, mormente quando se deflagra um ativismo judicial desmedido, quando se busca ampliar a discricionariedade no processo penal e quando somos dominados pelo poder econômico, que se utiliza da grande imprensa para padronizar comportamentos e pensamentos conservadores.

O pior é que as pessoas não se dão conta disso. Os próprios protagonistas desta grave situação não se dão conta disso. Muitos agem, ou se omitem, sem perceberem a quem estão servindo.
Aqui, afasto-me do academicismo, de enfoques herméticos e formas de escrita rebuscadas. Não me move qualquer pretensão de demonstrar erudição, aprofundando temas para exibir uma cultura que efetivamente não possuo.

Na verdade, o momento de crise social que estamos vivenciando exige que estejamos presentes “na luta” e não dela distantes com “elucubrações abstratas”, que não têm qualquer conexão com a vida das pessoas.

Nós, do Direito, também precisamos nos tornar ativistas e militantes em prol de uma sociedade verdadeiramente justa. Aposentado no Ministério Público, assumo o pretensioso cargo de promotor de justiça social …

Dentre outros, um dos aspectos mais negativos da atuação dos Procuradores da República de Curitiba, que fazem parte da “Força Tarefa da Lava Jato”, é que eles pensam que o Ministério Público deve assumir uma “obrigação de resultado” no processo penal.

Desta forma, atuam como se fossem “advogados de acusação”.

Por tudo isto, é imprescindível respeitar o princípio do "Promotor Natural". Sem a necessária impessoalidade, o Ministério Público pode se transformar em promotor de injustiça.

Em meus 31 anos do Ministério Público no E.R.J., sempre tive compreensão distinta: a nossa “obrigação é de meio e não de resultado”. Vale dizer, devemos atuar com absoluta diligência, empenho, seriedade, ética e competência no processo penal. O resultado desta atuação fica por conta do Poder Judiciário.

Nunca persegui réus e nunca tive interesse em atuar neste ou naquele processo específico, mesmo em se tratando do Tribunal do Júri. A atuação dos membros do Ministério Público deve ser impessoal e desinteressada.

Acho que este é o grande equívoco do atual Ministério Público, que achou por bem “combater” isto ou aquilo. Fazendo o papel de polícia judiciária, passa a ver tudo com “olhos” de polícia.

Ademais, o Ministério Público, ao se envolver com a mídia e se preocupar com opinião pública, julga ter de alcançar resultados persecutórios determinados, para não se desmoralizar. Desta forma, perde o necessário equilíbrio.

Enfim, o Ministério Público está deixando de ser o verdadeiro Ministério Público, que deve se limitar a promover efetiva justiça, e não ser um “heroico e messiânico combatente” de crimes.

Polícia é polícia, Ministério Público é Ministério Público !

*Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual Penal.