Políticas de combate à Aids não evoluem desde 96 e casos crescem 3%
O Dia Mundial contra a Aids completa 30 anos nesta sexta (01) e serve de alerta. No Brasil, houve crescimento de 3% de pessoas infectadas entre 2016 e 2010. Mesmo diante desse aumento, o governo Temer aponta para a diminuição de políticas públicas voltadas para a prevenção e tratamento da Aids através de uma alteração que permitirá o remanejamento de recursos dos municípios e estados para outros fins, o que poderá extinguir os investimentos para o combate à doença.
Por Verônica Lugarini*
Publicado 01/12/2017 12:49

Criado em 1987, o Dia Mundial contra a Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) serve de alerta para um dos maiores problemas de saúde pública do mundo. No Brasil, a Aids surgiu no Brasil no início dos anos 1980 quando era uma doença de difícil tratamento. Mas nos anos 90, mais especificamente entre 95 e 96, com a chegada de remédios mais eficazes para seu tratamento ela se transformou em uma doença de certa forma crônica e controlável.
Aqui no país, o maior avanço ocorreu em 1996 quando foi criada uma lei federal que introduziu o tratamento universal pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de pessoas infectadas.
Segundo Rodrigo Pinheiro, do Fórum de Ongs/Aids do Estado de São Paulo (Foaesp), além dessa conquista ter sido o último avanço significativo no combate a Aids no Brasil, após a sua implantação não houve novas políticas de combate à doença e começou a luta para manter a garantia do direito e acesso ao tratamento.
“Desde a implantação do tratamento universal da Aids o governo não tem trabalhado fortemente para ampliar as formas de prevenção da doença. Ele tem priorizado o tratamento medicamentoso. Mesmo que os medicamentos tenham evoluído e sejam importantes para o tratamento, não se pode ter uma tecnologia para se usar isoladamente”, disse Rodrigo Pinheiro em entrevista ao Portal Vermelho.
A prevenção combinada, que tem mostrado grande efetividade em portadores do vírus HIV, é uma estratégia de associação de diferentes ferramentas e métodos (ao mesmo tempo ou em sequência), conforme a situação, risco e escolhas. Ou seja, a prevenção iniciada é específica para cada caso e, após o tratamento, o risco de infecção e de transmissão para outras pessoas é quase zero. Mesmo assim, essa forma de cuidado tem sido quase ignorada pelo governo.
Contra tendência mundial, casos de aids aumentaram no Brasil de acordo com a UNAIDS. Em 2016, 48 mil pessoas foram infectadas, 3% a mais do que em 2010, quando o registro foi de 47 mil no país. No mundo, essa taxa sofreu uma contração de 11%.
Para o presidente Foaesp esse crescimento revela uma estratégia errônea do governo ao longo dos anos e destacou que as campanhas para uso de preservativos são cruciais na luta contra a Aids. O uso de camisinha é o modo mais efetivo de prevenção.
“Esse número é reflexo de uma estratégia errada do governo longo dos anos. Ele não conseguiu atingir todas as pessoas e, principalmente, o público mais vulnerável por meio de campanhas de prevenção que é a forma eficiente de combater a Aids. É necessário fazer campanhas constantes e principalmente junto aos jovens. A educação sexual precisa ser discutida. Os jovens precisam ter essa informação para saber se prevenir. Isso não é uma forma de estimulo ao jovem para que ele faça sexo, mas uma forma de informá-lo de como se prevenir. A prevenção à Aids deve ser constantemente debatida e enfrentada. É uma luta contínua”, explicou Rodrigo Pinheiro.
No Brasil, as políticas de prevenção e de tratamento da doença têm sido afetadas pelos retrocessos do governo Michel Temer e pela crescente onda de conservadorismo, que tem criado resistências a programas de educação sexual nas escolas.
Portaria 1091/17 e o retrocesso
O presidente da Foaesp afirmou em entrevista que a PEC 95, do teto dos gastos, “é totalmente prejudicial e ela vai além da política, ela impacta no enfretamento da epidemia”.
Mas para além do teto dos gastos, há também a Portaria 1091/17, que está em homologação. Essa portaria extingue seis blocos de financiamento – dentre eles o bloco de Vigilância e Saúde que engloba a política de incentivo, ou seja, repasse de verbas para prevenção e tratamento contra Aids, que seriam substituídos por dois novos blocos: Custeio e Capital.
Com essa alteração, os repasses aos estados e municípios para programas contra Aids estariam fadados ao término, já que os recursos dos blocos de Custeio e Capital poderiam ser livremente remanejados pelo governo e prefeitura. Ou seja, não seriam direcionados para o combate a Aids.
“A portaria 1091/17 tem um aspecto político que é o remanejamento dos valores para outras coisas além do tratamento e prevenção da Aids conforme a escolha do gestor que irá tentar apagar incêndio, como a prevenção e tratamento da dengue, por exemplo que está em pauta, enquanto a Aids, que precisa ser constantemente abordada, deixaria de ser prioritária para esse político causando uma grande preocupação. A perda de política de incentivo é um retrocesso gigantesco”, afirmou Rodrigo Pinheiro em entrevista.
Ainda para o presidente do Foaesp (Fórum de Ongs/Aids do Estado de São Paulo), a soma do teto dos gastos e da portaria 1091/2015 podem levar a Aids de uma epidemia concentrada para uma epidemia generalizada por conta da falta de políticas públicas de prevenção e tratamento da doença.
Outro ponto destacado pelo especialista sobre esses repasses locais refere-se a uma tendência de municipalização do debate sobre a Aids, ou seja, mantém esse tema dentro do município, não abrangendo discussões em âmbito nacional.
Mais infectados
“Hoje a maior incidência de Aids se encontra nos jovens gay ou HSH (homens que fazem sexo com homens). Esse é o público que precisa de mais atenção, não só a questão do uso do preservativo, mas também no grau de risco, trabalhando para facilitar o acesso ao serviço de saúde e ao tratamento de qualidade. Nesse aspecto, o fortalecimento dos centros de acolhimento é fundamental”, ponderou o especialista.
Entre os jovens (15 a 24 anos), o crescimento de Aids continua sendo uma preocupação importante e as ações nesse segmento tem de ser intensificada, como pontuou Rodrigo.
De 2006 a 2015 a taxa de detecção de casos de AIDS entre jovens do sexo masculino com 15 a 19 anos quase que triplicou (de 2,4 para 6,9 casos por 100 mil habitantes) e entre os jovens de 20 a 24 anos, a taxa mais do que dobrou (de 15,9 para 33,1 casos por 100 mil habitantes), segundo o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde.
Estimativas mostram que 0,39% da população geral vive com HIV no Brasil, mas entre homens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), essa prevalência cresce para 10,5% – segundo os últimos dados do Boletim Epidemiológico de HIV/AIDS de 2015.
Desafios
Questionado sobre qual o maior desafio do país, nesse momento, para o combate à Aids, o presidente da Foaesp pontuou:
“O maior desafio é não perder as conquistas. Como a política de incentivo, o acesso ao tratamento e a discussão de prevenção porque se perder será um retrocesso gigantesco que poderá levar ao aumento da doença no país, como já está acontecendo segundo dados da UNAIDS”, finalizou Rodrigo Pinheiro.