Renato Abê: Ano que vem eu não morro

"Perdemos o ‘Volta, Belchior’, esvaziamos o ‘Fora, Temer’ e escapamos no ‘Vai, Malandra’ e, entre idas e vindas, só consigo pensar que o Brasil ainda é moço demais pra tanta tristeza. Nem consigo mais saber se Ele é brasileiro, tenho pra mim que não, mas continuo achando que ele mora do nosso lado. E, olha, uma certeza terei no próximo dia 1º: já não poderei sofrer no ano passado”.

Por *Renato Abê

Retrospectiva 2017

Tenho me apegado à metáfora da montanha-russa para tentar traçar um pequeno mapa do tempo do que foi 2017. De basal, uma tristeza: perdemos o sonho de fuga que era Belchior e talvez esse tenha sido um fator desnorteador para os que embarcaram nesses 12 meses cheios de esperança e fé. Com o sumiço do cantor sobralense na última década, tinha brotado certa ilusão de escape, de que existe um “para além” da solidão dessas capitais. Pensar no exílio dele era idealizar uma saída de emergência particular. A ilusão acabou.

Pois bem, volto à montanha-russa para me lembrar das caretas que a gente fez enquanto descia civilidade abaixo diante dos acontecimentos deste ano. E sabe o que é mais triste? Não fomos muito além da cara feia, essa reação meio instantânea diante da perplexidade. Vimos a retirada de direitos básicos dos que não têm dinheiro no bolso e continuamos nos segurando nos corrimões com medo de descarrilhar. Os gritos calaram junto com a pergunta boba pelos paneleiros.

Neste ano, tudo foi permitido, aliás, eu queria dizer que muito foi proibido – sempre respeitando uma lógica conservadora bem seletiva do que é socialmente aceito. Teve gente se espantando com a arte, se apegando ao desejo de viver como nossos avós. Por outro lado, subimos: vimos o País se abrindo para rapazes (ou moças) delicados e alegres que cantaram e requebraram em todas as nossas telas.

Em Fortaleza, o desespero foi moda em 2017. Logo eu, que neste ano cheguei aos vinte e cinco de sonho e de sangue e de Região Metropolitana de Fortaleza, comecei a ter medo de lugares com gente jovem reunida. Um amigo morreu enquanto esperava um ônibus e não foi fácil me achar um sujeito de sorte pelo simples fato de estar vivo.

E a montanha-russa seguiu. Perdemos o “Volta, Belchior”, esvaziamos o “Fora, Temer” e escapamos no “Vai, Malandra” e, entre idas e vindas, só consigo pensar que o Brasil ainda é moço demais pra tanta tristeza. Nem consigo mais saber se Ele é brasileiro, tenho pra mim que não, mas continuo achando que ele mora do nosso lado. E, olha, uma certeza terei no próximo dia 1º: já não poderei sofrer no ano passado.

*Renato Abê é jornalista.

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