Publicado 04/01/2018 14:38
André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, não faz parte do grupo dos otimistas quanto à retomada da economia brasileira. Na avaliação dele, os pequenos sinais de recuperação da atividade que começaram a despontar no fim do ano passado ainda são inconsistentes. No horizonte de 2018, ano de eleições presidenciais, vê uma maré de preocupações: não acredita que a reforma da Previdência tenha espaço para ser votada, se mostra pessimista quanto à volta de investimentos mais fortes. Teme ainda que o teto de gastos estoure.
Pergunta. Vimos algumas reações positivas da economia durante o fim do ano passado, como a queda da inflação, dos juros… Podemos esperar uma retomada econômica firme neste ano?
Resposta. Acho que não. O ano de 2017 foi bastante atípico. No primeiro trimestre, nós tivemos um impulso da economia que não era muito esperado vindo da agricultura. Isso jogou para cima o PIB [Produto Interno Bruto] dos primeiros meses do ano. Já no segundo e no terceiro trimestres, fomos beneficiados pela liberação das contas inativas do FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço], que injetou bilhões de reais na economia. A rigor, as coisas que melhoraram são elementos que não podemos contar em 2018. Houve também um processo de queda inflacionária no país extremamente benigno. Porém, boa parte disso se deu pela queda do grupo de alimentação, com a super safra deste ano. Durante os últimos cinco anos, o grupo alimentos subiu em média 9,3% anualmente. Agora há deflação, o que é muito raro.
P. Mas a economia no ano que vem vai crescer…
R. Sim, cerca de 3%. Mas isso porque temos o fim de um ciclo recessivo, o que é absolutamente natural. No terceiro trimestre, a chamada formação bruta de capital fixo, que são os investimentos, avançou 1,6%. Foi porque os empresários voltaram a investir? Não, foi porque já estava caindo há 14 trimestres e atingiu o fundo do poço. Esse valor foi puxado, por exemplo, pela produção de veículos que aumentou um pouco e que estão sendo exportados. Nessa mesma linha, a gente pode crescer uns 3% no ano que vem levando em conta que a base de comparação é muito baixa. Acho que investimento mais forte só virá depois das eleições. Primeiro porque é o investimento público que puxa muito o investimento privado, e ele está totalmente segurado agora. Além disso, há setores que ainda precisam de uma retomada mais forte para voltar a investir e existe o fator político da incerteza.
P. Na sua avaliação, o consumo das famílias vai continuar avançando?
R. Acho que não vai piorar, mas não vai melhorar muito mais pois a massa salarial está relativamente estável. Há inclusive criação de vagas de trabalho, mas o conjunto de rendimento não aumentou significantemente. A queda do desemprego está se dando pela informalidade. Os empregos gerados não são bons. Então essa questão do desemprego vai continuar sendo um tema para o próximo ano.
P. A política econômica da equipe liderada por Henrique Meirelles está na direção correta?
R. Diante de um déficit tão grande, o plano do Meirelles foi definir a regra do teto dos gastos para controlar os gastos de maneira constitucional. A equipe esperava que, controlando esses gastos, os juros longos iriam cair, e, quando eles caíssem, os investimentos iriam começar a crescer, impulsionando a economia. Esse era o plano, mas eles está furado porque o empresário não investe porque os juros são baixos e sim porque ele tem demanda para o produto dele ou porque precisa de mais máquina. Só que hoje o que ele tem é uma ociosidade muito grande e uma demanda fraca, e isso inclusive controla um pouco a inflação. Outra situação bastante preocupante é a condição financeira das empresas. Apesar da inadimplência ter caído um pouco, ainda é muito alta. E as taxas de juros, mesmo com a queda da Selic, não caem na mesma velocidade. Ainda que o custo do dinheiro tenha ficado mais baixo, a percepção do risco do setor é alta para os bancos, porque eles percebem que a situação não está ainda favorável. Há algo a resolver, no próximo ano, que é a desalavancagem das empresas. O Governo de Michel Temer também está sendo muito incoerente em vender a austeridade e praticar exatamente o contrário. Ele liberou o FGTS, PIS, está com a taxa de juros no menor patamar da história. Ele prega uma coisa e faz outra.
P. Qual o impacto do adiamento da reforma da Previdência, que ficou a princípio, para fevereiro?
R. Deixar para fevereiro foi simplesmente passar essa reforma para 2019. Se eles não aprovaram antes neste ano, imagina se vão conseguir aprovar em um ano eleitoral. A população tem se manifestado contra a reforma. O mercado financeiro está trabalhando como uma hipótese muito ingênua de que tudo vai mudar, de que vai aparecer um candidato (competitivo para levar o pleito) que irá tocar as reformas. Mas, na minha opinião, qualquer candidato que tocar no tema de reforma vai se dar mal. Não por acaso, saiu uma pesquisa mostrando que a imagem do ex-presidente Lula melhorou. Isso é óbvio. Hoje você tem que fazer uma reforma de tal forma que a Previdência não tome todo o gasto público, que agora ficará sem aumento nos próximos 10 anos [com a aprovação do teto dos gastos], o que é difícil imaginar. Nas eleições de 2018, os nomes pró-reforma, como [Geraldo] Alckmin, [Henrique Meirelles], ficam fatigados, com menor possibilidade.
P. Qual seria o efeito para a economia se um político de discurso mais extremista ganhasse as eleições?
R. Tipo um Jair Bolsonaro? Aí depende muito. Se entrar um outsider, vai ser muito ruim.
P. Por que o mercado financeiro teme tanto uma volta de Lula?
R. O Governo Lula foi um período em que o mercado ganhou muito dinheiro, mas mais em termos quantitativos e não qualitativos. O que eu quero dizer é que ganhar dinheiro no Brasil também ficou mais difícil. Isso não tem só a ver com o Lula, mas com o amadurecimento do Plano Real. Com as taxas de juros caindo e com a de retorno caindo também, o empresário precisa tomar muito risco para fazer dinheiro. Antigamente quem tinha dinheiro no Brasil fazia dinheiro. Quando os juros caem começam a aparecer outras possibilidades de negócios mais arriscados. No mercado financeiro, os brasileiros não estão acostumados a avaliar risco. Acho que esse é um dos mal-estar com Lula. Mas o Lula sempre foi sindicalista e sempre mediu as tensões dentro de dados grupos e da sociedade. E hoje o que precisamos no Brasil é alguém com esse perfil. Ele sabe que pode ser isso. Até um homem como o Ciro Gomes, que é alguém mais de esquerda, é um nome que peca porque não é tão conciliador. O Alckmin, no lado da direita, também é um candidato mais conciliador, ele não sai por aí xingando as pessoas como o [João] Dória faz. Mas a verdade é que está difícil encontrar um nome de um candidato conciliador. Levando em conta que o Brasil vive um momento de conflito social constante, muito grande, o Lula é o jeito mais barato de você administrar o país. Ele consegue mediar conflito social, falar com banco, com sindicatos. Mas como ele provavelmente será impedido, quem vai assumir essa função ninguém sabe.
P. E qual será o maior desafio econômico para o próximo presidente?
R. O que me preocupa é que essa PEC do gasto pode estourar já no ano que vem e não vai ser politicamente sustentável. E o novo presidente terá que editar em 2019 uma Emenda Constitucional do "veja bem". Não deu certo, desculpa, não vai ser mais desse jeito. Existe uma pressão orgânica do aumento de gastos do Estado justamente pelo envelhecimento da população. Há uma contradição no médio prazo. Diferentemente dos meus colegas de mercado, que são ortodoxos e acham que o mundo é uma planilha de Excel, acredito que não adianta nada você ter um superávit primário para pagar as contas da Previdência, se eu não começar a fazer hoje as universidades de medicina para ter médico lá na frente. O limite é o seguinte: você pode até ter dinheiro, mas não terá oferta de serviços para essa população idosa. É muito mal feita a discussão da Previdência.