Publicado 04/01/2018 11:35
Dias antes do Natal, Eunício Oliveira, presidente do Senado, participou de um evento de lançamento de 495 unidades do Minha Casa, Minha Vida no Ceará. O discurso do senador peemedebista em nada lembrava a sua atuação como um dos integrantes principais da base governista de Michel Temer no Congresso.
Em vez de enaltecer as reformas neoliberais de seu aliado, ele preferiu celebrar as conquistas do ex-presidente Lula para a região. "Se não fosse esse nordestino chamado Luiz Inácio Lula da Silva, não teríamos a transposição das águas do rio São Francisco", garantiu o parlamentar, que tem discutido a possibilidade de uma aliança com o governador cearense Camilo Santana, do PT, para as eleições de 2018. Dias antes, o presidente do Senado se irritou com a demora para apreciar vetos presidenciais no Congresso e disparou: "Não vota mais Previdência porra nenhuma".
A movimentação eleitoral de Eunício é sintomática das dificuldades que o governo Temer terá para aprovar neste ano a reforma da Previdência, cuja votação está marcada para fevereiro. As pretensões particulares de diversos ministros e integrantes da base do governo tendem a prevalecer sobre a agenda reformista defendida por Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, e o "mercado".
A possibilidade de Eunício apoiar uma eventual candidatura de Lula, que pode ser barrada a depender da decisão em segunda instância na Justiça, é um dos exemplos de possíveis alianças entre integrantes do partido de Temer e a oposição. Em outros quatros estados do Nordeste, PT e PMDB discutem compartilhar o palanque nas eleições.
Enquanto parte do PMDB flerta com a oposição, o governo perde quadros para a disputa eleitoral. Em menos de um mês, três ministros de Temer desembarcaram do governo. O último deles foi Marcos Pereira, que deixou a pasta da Indústria, Comércio Exterior e Serviços na quarta-feira 2. Presidente do PRB, partido ligado à Igreja Universal, ele avalia a possibilidade de disputar uma vaga na Câmara neste ano.
Ronaldo Nogueira, do PTB, deixou o ministério do Trabalho em 27 de dezembro. Assim como Pereira, ele se prepara para lançar uma candidatura a deputado federal. Em seu lugar, assumiu Cristiane Brasil, filha do ex-deputado Roberto Jefferson, condenado no processo do "mensalão".
O PSDB teve duas baixas. Em 8 de dezembro, o tucano Antonio Imbassahy deixou a articulação política do governo para dar lugar ao deputado Carlos Marun, aliado do ex-deputado Eduardo Cunha e um dos mais ferrenhos defensores de Temer no Congresso.
Imbassahy acompanhou seu correligionário Bruno Araújo, que deixou a pasta das cidades em novembro. Ao contrário de Aloysio Nunes Ferreira, ministro das Relações Exteriores, a dupla preferiu deixar seus cargos em meio à crescente opção do PSDB pelo desembarque. Embora esteja mais relacionada a uma preferência partidária, a saída de ambos também está investida de pretensões eleitorais particulares.
Bruno Araújo é um dos nomes estudados pelos tucanos de Pernambuco para disputar o governo estadual. Imbassahy pleiteia concorrer ao Senado na Bahia. Aloysio Nunes, por outro lado, declarou recentemente estar em dúvida sobre sua candidatura ao Senado por São Paulo neste ano. Para além do status de comandar o Itamaraty, sua insistência em permanecer no governo diz muito sobre sua indecisão a respeito do futuro eleitoral.
A saída de ministros de pastas importantes como Trabalho, Indústria e articulação política, aliada a uma tendência do presidente do Senado em inclinar-se favoravelmente ao PT em 2018, mostra que a base de Temer começou a se desidratar.
Ventilado como possível candidato a presidente pelo DEM, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, marcou a votação da reforma da Previdência para fevereiro e garantiu recentemente ser possível aprová-la mesmo em ano eleitoral.
O principal baluarte do reformismo do governo também flerta com a Presidência. Henrique Meirelles, ministro da fazenda, defende um candidatura governista ao Planalto em 2018 que não seja a do tucano Geraldo Alckmin. Recentemente, o ministro afirmou que sua eventual candidatura pode jogar a favor da aprovação da reforma da Previdência.
Segundo o ministro, muitos deputados costumam afirmar que ele defende a reforma pois "não vai disputar eleição". Assim, Meirelles garante que um candidato defensor da medida pode ser um reforço importante para sua aprovação.
Como o ministro só decidirá sobre sua eventual candidatura em março, a tese só faz sentido caso a reforma da Previdência não seja mesmo aprovada em fevereiro. Meirelles não descarta que as mudanças nas aposentadorias fiquem para 2019, assim como grande parte dos analistas do "mercado".
Se isso ocorrer, a entrada de Meirelles na disputa pode servir para garantir uma defesa inglória da agenda reformista de Temer nas urnas e de uma reforma da Previdência em 2019. Se for candidato, Meirelles pode até mostrar aos parlamentares que é possível disputar eleição e defender mudanças impopulares. Mais quais as chances de um político ser vitorioso, ou mesmo ter uma votação expressiva, com esse discurso?
Entre defender a reforma da Previdência ou o legado de Lula na transposição do São Francisco, Eunício preferiu o segundo.