A rara entrevista de Simone de Beauvoir à televisão 

No dia 9 desse mês de janeiro comemorou-se o aniversário da filósofa e escritora feminista Simone de Beauvoir, que estaria completando 110 anos se estivesse viva. Suas análises e reflexões ajudaram a formar o feminismo contemporâneo e a conscientizar as mulheres sobre sua situação na história e na sociedade

Por Alessandra Monterastelli *

Simone de Beauvoir

Simone nasceu em uma família da alta burguesia francesa, mas, durante sua infância a família faliu. Por considerar que as filhas não conseguiriam bons casamentos, pois não havia dinheiro para um bom dote, o pai se convenceu de que somente o sucesso acadêmico poderia tirar as filhas da pobreza. De fato, graças a educação, Simone teve mais poder de escolha que muitas mulheres de sua época, uma vez que a educação e o desenvolvimento acadêmico, quando negados, são até hoje maneiras de impedir a independência das mulheres.

De fato, Simone de Beauvoir se tornou uma grande filósofa; seus textos, análises, reflexões e teorias são imprescindíveis para o feminismo como é hoje.

“Não se nasce mulher, torna-se mulher”: a frase é o ponto de partida de sua vasta obra, e seu resumo, como a própria autora descreve em uma rara entrevista para a televisão, em 1975. Simone defende que a mulher não é definida biologicamente, mas formada dentro de uma cultura que define qual o seu papel social. “A mulher não é definida nem por seus hormônios nem por instintos misteriosos, mas pela maneira pela qual ela recupera, por meio de consciências alheias, seu corpo e sua relação com o mundo”, cita. Isso explica o fato das mulheres ficarem aprisionadas durante a história no papel de mãe e esposa com a justificativa de terem um instinto “natural” para tanto, quando na verdade o seu papel é puramente definido pelas práticas e necessidades sociais através da história.

Publicado em 1949, “O Segundo Sexo” foi considerado (e é até hoje) uma marca fundamental no pensamento feminista do século XX, abrindo caminhos para a teorização em torno das desigualdades construídas em função das diferenças entre os sexos. O livro debate a situação da mulher, do ponto de vista biológico, sociológico e psicanalítico, discorrendo sobre problemáticas relativas às instâncias de poder na sociedade contemporânea e as diferentes formas de dominação.

A filosofa detalhou como as mulheres morrem por causa das imposições sociais em “Memórias de uma moça bem-comportada”, onde critica as normas burguesas, aproveitando de suas próprias experiências vividas para criticar a opressão moral e religiosa à qual as mulheres de sua geração estavam submetidas. Simone escreveu uma trilogia de pequenos ensaios nomeados Privilégios, em 1955, análises e questionamentos sobre como as pessoas privilegiadas podem pensar sua própria situação de privilégio, egoísmo e o olhar para a universalidade do pensamento.

Como a própria Simone de Beauvoir declarou em uma entrevista para o jornalista francês John "Tito" Gerassi em 1976, uma feminista deve, por norma, ser de esquerda. “Uma feminista, independente dela se intitular de esquerda ou não, é de esquerda por definição. Isso porque ela está lutando pela igualdade total, pelo direito de ser tão importante e relevante assim como qualquer homem. Portanto, encarnado em sua revolta pela igualdade sexual, está a demanda pela igualdade de classes”, escreveu Simone. Além de reforçar a união entre feminismo e esquerda, a escritora defendia a importância e a necessidade da luta feminista dentro da luta socialista: “em uma sociedade onde a experiência de cada pessoa é equivalente a de qualquer outra, você automaticamente criou a igualdade, o que significa igualdade política, econômica e muito mais. Dessa forma, a luta sexual comporta a luta de classes, mas a luta de classes não representa a luta sexual ".

Aos 60 anos, Simone publicou “A Velhice”, livro no qual abordou o envelhecimento como algo não apenas biológico, mas cultural. Em “uma morte muito suave”, retratou a dor causada pela morte de sua mãe.

A seguir, a rara entrevista dada por Simone de Beauvoir à televisão francesa, em 1975, onde ela se diz feminista e explica o motivo, baseada em suas teorias: