Fórum Econômico Mundial: Temer entrega o jogo… e a água
O jornal O Estado de S. Paulo publicou terça-feira (16) um artigo revelador sobre a ida do presidente Temer, João Dória e Henrique Meirelles a Davos, na Suíça, para participarem do Fórum Econômico Mundial que começa no próximo dia 23 de janeiro.
Por Franklin Frederick
Publicado 17/01/2018 21:25
O artigo informa que “na programação, o Fórum Econômico Mundial colocou na agenda o debate: ‘Moldando a nova narrativa do Brasil’. No dia 24 de janeiro, mesma data do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Porto Alegre (RS), o presidente Michel Temer apresenta sua agenda para 2018 em defesa da necessidade de reformas. O debate contará ainda com o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, Candido Botelho Bracher, CEO do Itaú Unibanco, e Paul Bulcke, CEO da Nestlé” .
Esta é a única mesa redonda com a participação de Temer dentro da programação do Fórum. Chama a atenção, no entanto, que o único CEO estrangeiro a participar deste debate em que, além de Temer e Dória, os outros dois participantes são banqueiros, seja Paul Bulcke. Faria mais sentido, dentro deste contexto, ser um representante de um banco estrangeiro, o Crédit Suisse, ou o UBS, por exemplo. Mas, dentre tantas empresas e CEOs que estarão em Davos, foi justamente o CEO da Nestlé o escolhido para participar deste debate com Temer e dois grandes banqueiros privados brasileiros. Por quê?
Para responder a esta pergunta devemos lembrar, primeiro, de um importante artigo publicado pelo jornal Correio Braziliense no dia 22/8/2016 com o título: “Multinacionais querem privatizar uso da água e Temer negocia” .
O artigo informa que “segundo revelou um alto funcionário da Agência Nacional de Águas (ANA), em condição de anonimato, (…) o Aquífero Guarani , reserva de água doce com mais de 1,2 milhão de km² , deverá constar na lista de bens públicos privatizáveis (…) As negociações com os principais conglomerados transnacionais do setor, entre eles a Nestlé e a Coca-Cola, seguem ‘a passos largos’”.
É importante lembrar também que, na data deste artigo, a presidenta eleita Dilma Roussef ainda enfrentava o julgamento do processo de impeachment, mas Temer já atuava como presidente “de fato”, ou seja, mesmo antes do golpe consumado, já se negociava a privatização dos recursos naturais brasileiros, a verdadeira razão por trás do golpe. Porém, têm-se escrito e falado mais sobre o acesso ao petróleo brasileiro, privatização da Petrobras e de outras grandes empresas públicas como razões para o golpe, deixando de lado um outro recurso natural brasileiro enormemente cobiçado pelas multinacionais por trás da onda conservadora neoliberal que toma o planeta: a água.
A participação de Paul Bulcke num debate com o presidente Temer em Davos entrega o jogo: não é o CEO da Shell ou de qualquer outra grande empresa petroleira que estará sentado ao lado do presidente do Brasil na vitrine do Fórum Econômico Mundial na Suíça, mas o CEO da Nestlé. A mensagem não podia ser mais clara.
Dentro do que se poderia chamar de “divisão do trabalho” na construção da ideologia e das estratégias do capitalismo internacional, a multinacional Nestlé tem um papel fundamental. Peter Brabeck, antecessor de Paul Bulcke, tomou para si e para a Nestlé parte da tarefa de legitimar o capitalismo neoliberal através de várias iniciativas e projetos, dirigindo um poderoso lobby do big business internacional através de uma ampla rede que se estende por vários países e instituições.
O Water Resources Group (WRG), que reúne a Coca-cola, a Pepsi e o Banco Mundial com o objetivo de privatizar a água em todo o mundo através de parcerias público-privadas, para citar um exemplo, foi criado por iniciativa da Nestlé. Paul Bulcke recentemente substituiu Peter Brabeck dentro do Governance Body do WRG.
O programa da Nestlé Creating Shared Value realiza anualmente um importante evento internacional, sempre em países diferentes, com a participação de governos, altos funcionários de instituições como a ONU e o Banco Mundial, com uma visão estratégica muito bem planejada. Em 2013 o Creating Shared Value Forum aconteceu na Colômbia com o claro propósito de promover a Colômbia como país “modelo” do capitalismo latino-americano, em oposição à Venezuela e aos países da Alba.
Em 2011 o Creating Shared Value ocorreu em Washington em parceria reveladora com o Atlantic Council, uma associação do big business internacional, principalmente dos EUA, em torno da Otan, a aliança militar ocidental. Por que uma empresa multinacional produtora de comida para bebês, chocolate e água engarrafada procuraria uma parceria com o Atlantic Council e, através deste, com a Otan? Uma resposta muito simples se encontra dentro do próprio programa deste evento: oportunidades de negócios relativos à nutrição, água e desenvolvimento rural na África e América Latina.
Traduzindo a linguagem orwelliana do big business contemporâneo, este programa informa que “oportunidades de negócio”, ou seja, recursos naturais a serem tomados pelas grandes empresas, se encontram em vastas quantidades na África e na América Latina. E caso os países desses continentes não queiram disponibilizar estes recursos para o capital internacional, é sempre conveniente ter o poder militar da Otan para fazê-los mudar de ideia ou de política. E recentemente, não por coincidência, a Colômbia e a Otan entraram em um acordo de parceria.
Esta influência da Nestlé é tão grande que mesmo dentro do Fórum Econômico Mundial um dos temas escolhidos para ser discutido pelos vários participantes internacionais é justamente “Creating Shared Values in a Fractured World”, uma clara alusão ao programa da Nestlé. A conferência de imprensa que o presidente Temer realizará no Fórum no dia 24, aliás, está justamente dentro deste tema, reforçando ainda mais a ligação de Temer e das atuais políticas de privatização de seu governo com o discurso desenvolvido e promovido pela Nestlé.
Em março próximo o Brasil vai sediar o Fórum Mundial da Água em Brasília. A Nestlé e o Water Resources Group estarão lá, já que este é o Fórum das grandes empresas privadas. As empresas públicas de água brasileiras e ainda mais as águas subterrâneas e as fontes de água mineral são os “alvos” que esta proximidade entre Temer e Paul Bulcke indicam. A privatização destas empresas e recursos naturais será naturalmente apresentada como a “solução” dentro do Fórum Mundial da Água.
Espero que o Fórum Mundial ALTERNATIVO da Água que se organiza também em março, como resposta da sociedade civil às políticas neoliberais, reserve um bom tempo e espaço para trocar informações e analisar as diversas práticas da Nestlé no mundo. Trata-se de uma questão fundamental.