“Pela Janela” é a escolha entre um violão ou uma panela de pressão

O primeiro longa de Caroline Leone chega num tom intimista para falar de escolhas na vida.

Por Vandré Fernandes*

Pela janela - cena do filme - Divulgação

Rosália, a chefe de produção, interpretada por Magali Biff, trabalha na fábrica de reatores de lâmpadas.Funcionária exemplar, após uma fusão de pequenas fábricas, ela, aos 62, é demitida e se vê diante de um abismo.

Seu irmão, interpretado por Cacá Amaral, tem uma viagem para entregar um carro para o patrão, que mora em Buenos Aires. Ao perceber o estado de Rosália, ele decide levá-la junto.

Antes do road movie de Caroline, que vai dando a tônica da mudança de Rosália, é bom prestar atenção na relação dos funcionários e o trabalho. O ambiente é precário, sem equipamentos adequados e sem cuidados com o trabalhador. Além disso, temos a demissão da funcionária sem qualquer justificativa. São tempos de fusões de pequenas empresas para burlar a crise, num Brasil que dá passos largos para a sua completa desindustrialização.

Na viagem até Buenos Aires, teremos alguns elementos em que a diretora vai dando pistas da mudança da personagem que são sutis, sem grandes rupturas. Quase não há expressões de alegria ou tristeza, algo muito bem interpretado por Magali, numa bela sinergia entre a atriz e a diretora. Numa parada, Rosália decide comprar uma panela de pressão, que passa a carregar o tempo todo, numa simbologia clara de sua vida.

Atuando tão bem como Magali, está Cacá, cujo personagem será o outro lado da vida angustiante de Rosália. Ele por sinal, carrega sempre um violão, mostrando uma leveza e dedilhando alguns acordes para Rosália soltar a voz em um determinado momento do filme.

Aliás, a música é recorrente, como uma espécie de fuga da personagem.
Uma das belas cenas do filme acontece nas Cataratas do Iguaçu: a água molha os rostos e os corpos dos personagens. A cena é tão intensa que respinga na câmera. É aquele momento único, como se o êxtase tomasse conta do filme e a diretora dissesse: não corta, continua! Tudo muito emotivo, quase num plano só.

Na chegada em Buenos Aires, a diretora não mostra uma cidade glamorosa, “europeia”, mas decrépita (Será tempos de Macri?).

Nossos personagens vão para uma espécie de cortiço, onde Rosália terá contato com pessoas de outra cultura, outra língua, e terá que aprender como se comunicar. 

O filme em nenhum momento tem pontos de viradas abruptas. Não existe um clímax como nos padrões de Hollywood, é quase linear, mas elas existem e são bem conduzidas pela Caroline.

A obra foi premiada em Roterdã e já passou por diversas mostras e festivais.

Recomeçar a vida depois dos 60 não é fácil para ninguém, mas você pode escolher em viver como uma panela de pressão ou dedilhar alguns acordes.

Assista ao trailer: