Afrânio Jardim: Condenado sem provas, Lula pode ser preso mês que vem
Para o professor de Direito Processual Penal da UERJ, Afrânio Silva Jardim, o Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) condenou “sem provas” o ex-presidente Lula, o que ele classificou como “um acinte ao Estado democrático de direito”. Na sua avaliação, mesmo sem ter tido um “julgamento técnico”, Lula pode ser preso já no próximo mês, numa violação ao princípio da presunção de inocência.
Por Joana Rozowykwiat
Publicado 25/01/2018 00:12
Os três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 decidiram condenar, nesta quarta-feira (24), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no caso envolvendo o triplex do Guarujá. Mais que isso, resolveram aumentar a pena do petista de 9 anos e seis meses para 12 anos e um mês de prisão, em regime fechado.
Lula é acusado de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O Ministério Público Federal alegou que ele teria recebido propina da OAS, por meio de um triplex no Guarujá (SP), em troca de favorecimentos à construtora em contratos com a Petrobras.
“Condenaram o Lula sem provar que ele praticou um crime, que ele tenha recebido qualquer imóvel. Achei absurdo o julgamento, tecnicamente absurdo, um nível baixíssimo. Os juízes queriam condenar o réu e foram buscar, de forma não inteligente, argumentos para justificar essa condenação que desejavam a priori”, disse Jardim, em entrevista ao Portal Vermelho.
Em seu voto no julgamento, o desembargador Leandro Paulsen apontou que a pena deveria ser imediatamente executada em caso de decisão unânime da Corte e se esgotados todos os recursos ainda cabíveis no âmbito do TRF-4.
O resultado de 3 votos a 0 contra o petista reduziu as possibilidades de recursos na segunda instância. O placar sem divergência impede que a defesa de Lula possa entrar com embargos infringentes, que são recursos de tramitação mais demorada e que poderiam modificar a decisão. Resta ao petista contestar o resultado do julgamento a partir de embargos de declaração, que possuem prazos mais exíguos e trâmite mais célere.
“O embargo de declaração é rapidíssimo, não tem contrarrazões, não tem nem revisor. Não pode modificar o mérito da decisão. E os desembargadores disseram no julgamento que haverá a execução provisória da pena. Ou seja, Lula será preso como efeito desta condenação. Não vai ser necessário justificar os requisitos da prisão preventiva, mostrando a necessidade de uma prisão antes do trânsito em julgado”, afirmou o professor da Uerj.
Desta forma, ele previu, ex-presidente pode ser preso no próximo mês, a não ser que ele consiga no Superior Tribunal de Justiça um habeas corpus. “Pelo TRF-4, ele estará preso mês que vem, o que é um absurdo, porque viola o princípio da presunção de inocência, que está na Constituição, permitindo a execução da pena quando ainda cabe recurso para o STJ e o STF”, analisou.
Condenação sem crime
Um dos principais juristas da área processo penal no Brasil, Afrânio Jardim se disse “amargurado” com a atual situação do Estado democrático de Direito no Brasil. De acordo com o professor, os magistrados não demonstraram que Lula recebeu o tríplex e o petista foi condenado sem ter tido o seu patrimônio “aumentado em um centavo sequer”. “Uma condenação sem crime”, resumiu.
“Sobre corrupção passiva, a lei fala em receber vantagem indevida. Os desembargadores disseram que Lula recebeu, mas como? Quando? Onde? Em que consistiu essa conduta de receber? Nenhum desembargador disse. Isso é básico. Se disserem que eu subtraí um relógio, têm que dizer que eu meti a mão na bolsa, na esquina da rua tal, dia tal, a tanta horas e tirei o relógio assim. Mas, no julgamento, eles tangenciaram”, defendeu.
Na sua opinião, os magistrados ainda agiram de “má fé” e aumentaram a pena de Lula, pelo crime de corrupção passiva, para mais de oito anos, “para evitar prescrição retroativa”.
Em relação à outra alegação, Afrânio Jardim apontou que Lula foi condenado “por lavagem de dinheiro, sem que houvesse vantagem para ser lavada”. Sem que se conseguisse provar que o tríplex pertence ao petista – o imóvel estava no nome da OAS até ser penhorado recentemente para pagamento de dívidas da empreiteira -, o ex-presidente é acusado de ocultação de patrimônio, uma modalidade do crime de lavagem de dinheiro.
“A lavagem de dinheiro não pode ser por conduta omissiva [em que não se faz o que se deveria fazer]. Você não pode ocultar um imóvel apenas não transferindo para o seu nome. (…) Veja bem, é crime porque não passou o imóvel para o nome dele, ocultou. E como é que se consuma esse crime? Ele não transferiu até hoje, nunca vai transferir. É um crime omissivo permanente? Vai ficar praticando esse crime a vida toda? Não pode”.
Sobre o assunto, ele exemplifica: “Eu tenho o dever de prestar socorro. Mas não prestei, fui embora. Isso é omissão de socorro. Tem um momento ali, é diferente. Não se pode lavar dinheiro por não ter feito a transferência para a sua propriedade, por que aí não haveria lavagem de dinheiro”, indicou. “Dá vontade de largar tudo, me aposentar do magistério e voltar para minha criação de cachorros”, encerrou, desiludido.