Pochmann: Com keynesianismo bastardo, alta da indústria é pontual
O IBGE divulgou na última semana que a indústria brasileira voltou a crescer. Depois de fechar no vermelho por três anos seguidos, o setor teve alta de 2,5% em 2017. Para o professor de economia da Unicamp, Marcio Pochmann, contudo, a melhora “é pontual” e as condições que a viabilizaram dificilmente se repetirão.
Publicado 05/02/2018 16:50
De acordo com o instituto de pesquisa, a produção industrial teve em 2017 o melhor resultado desde 2010, ano em que a atividade cresceu 10,2%. Ocorre que a melhora se dá em um patamar muito rebaixado e nem de longe compensa o recuo de mais de 17% acumulado pelo setor em 2014, 2015 e 2016.
Uma projeção feita pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) indica que, mesmo se o setor mantiver o crescimento de 2,5% ao ano, só voltará à situação de antes da recessão em 2023. “A crise pode ter estagnado a indústria em quase uma década”, afirmou Guilherme Mercês, economista-chefe da federação, a O Globo.
O cenário, portanto, contradiz o otimismo alardeado pelo governo e por alguns agentes do mercado que enxergam com muita boa vontade as medidas do atual governo.
O próprio gerente da pesquisa do IBGE, André Macedo, ressaltou que ainda é cedo para se falar em recuperação. "O ano de 2017 rompe um período de queda na indústria brasileira, mas ainda está longe de uma mudança ideal", disse.
Em entrevista ao Vermelho, Marcio Pochmann fez avaliação semelhante. “Esses dados são preliminares. A melhora é pontual e com medidas que, dificilmente, deverão ocorrer novamente esse ano, do ponto de vista do incentivo ao consumo”, afirmou.
Ele ressaltou que, embora a equipe econômica do atual governo seja marcada pelo discurso ortodoxo, que tanto agrada ao “mercado”, na prática, o que possibilitou uma discreta melhora no resultado do Produto Interno Bruto (PIB), foi exatamente a adoção de medidas heterodoxas.
De acordo com Pochmann, as políticas de oferta – ou seja, a o corte de custos e a redução do Estado como mecanismos de recuperação da confiança que permitiriam uma retomada do investimento, reaquecendo a atividade – não produziram efeito. “Pelo contrário, caminhamos para terceiro ano de recessão, com aprofundamento dos problemas fiscais”, destacou.
“[A pequena melhora no PIB ] não foi pela política de corte de gastos e redução do Estado. Ao contrário. O que tivemos foram medidas de natureza heterodoxa, mas de um keynesianismo bastardo, na medida em que o governo terminou optando pelo estímulo do consumo, através da liberação de contas inativas do FGTS, do PIS/Pasep”, completou, sublinhando que trata-se de algo que não poderá se repetir em 2018.
Ao comentar os dados do IBGE, ele lembrou ainda que as indústrias trabalham atualmente com alta capacidade ociosa, algo que alguns analistas acreditam que deve postergar a necessidade de novos investimentos em pelo menos dois anos.
“Não há sinais de investimento. Ainda que o Brasil continue recebendo recursos do exterior, de maneira geral, é para compra de ativos, empresas já existentes ou operação em bolsa de valores, que dá uma riqueza aparente, mas não reflete a atividade produtiva, a economia real. Não é investimento em novas plantas”, apontou Pochmann.
Os dados mais recentes da indústria foram alavancados pelo bom desempenho do setor automotivo, cuja produção cresceu 17,2%, puxada principalmente pelas exportações de veículos, carrocerias e componentes.
“Mas, se a gente analisar o desempenho do comércio externo, vai perceber que as exportações já não crescem na mesma velocidade, e o que está crescendo agora são as importações, porque temos infelizmente um setor industrial dependente de importações e, com a taxa de câmbio valorizada tal como se encontra, a possibilidade da substituição de produtos nacionais por importados segue de forma desenfreada”, lamentou o professor da Unicamp.
Para ele, o cenário que se delineia não é dos melhores para a economia brasileira. “A discussão da recuperação pode ser aquela em que a economia reage ocupando capacidade ociosa ou poderia vir a ser através de investimento em setores que não estariam com capacidade ociosa, através de novas iniciativas. Não estamos vendo essa segunda, que teria um impacto positivo. O que vemos é o reforço à capacidade do Brasil de voltar a importar e dificuldades de repetir o mesmo resultado da balança comercial”, encerrou.