O custo democrático de um mandado

“Se conjugarmos o caráter atípico dos mandados coletivos com a natureza extrema da intervenção federal, o que se tem no Rio de Janeiro é mais um indício de que vivemos um momento grave de ruptura da estabilidade institucional e democrática”.

Por Juliana Diniz*

Intervenção militar no Rio de Janeiro - Divulgação

Depois de decretar a intervenção federal no Rio de Janeiro com o objetivo de “pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública”, o presidente Michel Temer anuncia a intenção de pedir ao Poder Judiciário estadual a expedição de mandados de busca e apreensão coletivos que facilitem o trabalho das Forças Armadas em determinados bairros e ruas da cidade.

Tratam-se de medidas excepcionais, questionáveis em sua constitucionalidade pela excessiva permissividade persecutória que concedem aos agentes do estado. Não especificam endereços precisos, tampouco destinatários individualizados, e atingem comunidades inteiras que, já vulneráveis, ficam à mercê do senso de equilíbrio dos agentes de segurança pública.

Do ponto de vista prático, com a concessão de um mandado de busca e apreensão coletivo, tem-se a flexibilização de uma série de garantias fundamentais, como a inviolabilidade do domicílio, sob o argumento movediço de que essa medida é indispensável para que o combate ao crime siga seu curso.

Se conjugarmos o caráter atípico dos mandados coletivos com a natureza extrema da intervenção federal, o que se tem no Rio de Janeiro é mais um indício de que vivemos um momento grave de ruptura da estabilidade institucional e democrática.

Expedido em termos vagos, sem clareza popular sobre a sua real motivação e, especialmente, sobre sua eficácia para resolver o problema estrutural da segurança, o decreto de intervenção federal rompe a autonomia federativa e instala, com possível lastro em uma medida judicial precária, um regime de exceção em que os maiores atingidos são grupos sociais segregados territorial e economicamente.

Grupos que não podem se servir a contento nem de suas garantias constitucionais nem do aparato jurídico e institucional que as concretiza. Ali onde poder público não alcança, onde são escassas e mal estruturadas políticas de saúde, de habitação, de assistência e educação, o Poder Executivo federal busca, manu militari, impor sua autoridade já tão enfraquecida, numa tentativa perigosa e desastrada de recuperar alguma legitimidade.

*Juliana Diniz é professora da Faculdade de Direito da UFC.

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