Lewandowski: É preciso colocar "paradeiro na relativização do direito"

O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, em artigo publicado na Folha de S. Paulo nesta-terça-feira (10), rebate a onda punitivista de alguns setores do Poder Judiciário e aponta que o desrespeito aos princípios constitucionais geram uma "imprevisibilidade das decisões proferidas por juízes e tribunais" que alimentam "uma visível descrença no Poder Judiciário".

Lewandowski, Presunção de inocência, a mais importante salvaguarda - Foto: Carlos Humberto/Época

Para ele, é preciso colocar "um paradeiro nessa indesejável relativização do direito, a qual tem levado a uma crescente aleatoriedade dos pronunciamentos judiciais, retornando-se a um positivismo jurídico moderado, a começar pelo estrito respeito às garantias constitucionais, em especial da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", argumenta.

Resgatando o debate sobre o direito como ciência ou simples técnica retórica, Lewandowski lembra que, com a prevalência dos ideais iluministas, surgiram as primeiras Constituições, concebidas para enquadrar o poder político, e também as grandes codificações, destinadas a racionalizar a intrincada legislação que sobreviveu à época medieval.

De acordo com o ministro, com o advento da Revolução Industrial as sociedades se tornaram mais complexas e dinâmicas, criando diversas lacunas legais, que tiveram de ser preenchidas mediante o emprego da analogia e de outros expedientes.

"Várias escolas de hermenêutica, então, se sucederam. Algumas tentaram resgatar a imperatividade das leis escritas, a exemplo da positivista, cujo maior expoente foi o austríaco Hans Kelsen (1881-1973). Outras, de índole relativista, ao contrário, buscaram ampliar a criatividade dos juristas, como aquela chefiada pelo alemão Theodor Viehweg (1907-1988)", explica o ministro.

Ele destaca que Viehweg repudiava o tradicional método interpretativo, "consistente em subsumir fatos a normas previamente selecionadas, segundo um raciocínio lógico-formal".

"É que ele concebia o direito como uma tópica, cujo significado somente poderia ser desvendado caso a caso, por meio de uma argumentação pontual. Críticos não tardaram a concluir que tal concepção, levada a extremos, geraria enorme insegurança", enfatiza o ministro, apontando que este é o método usado hoje por alguns magistrados.

"Parece que hoje alguns magistrados, sobretudo os da área penal, voltaram a considerar o direito uma mera tópica, da qual é possível extrair qualquer resultado. E o fazem pela adoção desabrida de teorias estrangeiras, em especial germânicas e anglo-saxônicas, quase sempre incompatíveis com nossa tradição pretoriana, que extrai o direito essencialmente de fontes formais", diz o ministro.