Publicado 25/04/2018 16:21
O dinamismo da economia em fevereiro foi muito fraco, mesmo na lenta retomada em curso e o saldo para a recuperação é nulo, diagnosticou o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial na Carta Iedi divulgada na segunda-feira (16).
Ótima oportunidade para a compra por estrangeiros de empresas brasileiras barateadas pela crise, tanto que as multinacionais protagonizaram nove dos dez maiores negócios do gênero realizados no ano passado. Nessas operações grupos europeus, chineses e estadunidenses desembolsaram 24,3 bilhões de dólares, metade do total movimentado nas 216 aquisições com valores divulgados e registrados pela consultoria PwC Brasil.
Compras de empresas e outros ativos locais são o destino preferencial do investimento direto estrangeiro almejado por economias sem recursos suficientes para se desenvolver. Quando o país receptor não tem uma estratégia nacional e não utiliza o capital recebido em prol do desenvolvimento, os aportes se dissipam, entretanto, em aplicações regidas por interesses de curto prazo de ambos os lados, mostram estudos de especialistas.
Foi esse o desfecho predominante nos últimos 24 anos de investimento direto estrangeiro no Brasil, com fluxo recorde em 2011 e retração sem paralelo em 2017, conforme mostra o gráfico. Os extremos são indicativos do píncaro e do abismo atingidos pelo próprio País.
A maior aquisição de 2017, da Eldorado Brasil Celulose pelo grupo europeu CA Investment Brasil por 4,77 bilhões de dólares, significa o descarte de um ativo nacional inestimável, algo fora de cogitação em países com estratégias de desenvolvimento definidas.
O exemplo da Finlândia, possuidora também de um setor de madeira, papel e celulose expressivo, é esclarecedor. No começo do século passado, era uma das economias mais pobres da Europa. Nem por isso assumiu, entretanto, a perspectiva de aceitação incondicional de recursos externos.
Percebeu que “o investimento estrangeiro direto pode ser uma barganha faustiana”, conforme comparou o economista Ha-Joon Chang, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, em alusão ao pacto com o demônio feito pelo personagem de Goethe. “A curto prazo, pode trazer benefícios, mas a longo prazo tende de fato a ser ruim para o desenvolvimento econômico. Uma vez que isso é entendido, o sucesso da Finlândia não é surpreendente."
"A estratégia foi baseada no reconhecimento de que, se o investimento estrangeiro fosse liberalizado cedo demais, não haveria espaço para firmas domésticas desenvolverem capacidades tecnológicas e administrativas independentes”, analisa Chang.
Hoje é uma economia altamente industrializada, mundialmente competitiva em manufatura relacionada a recursos florestais, metais, engenharia, telecomunicação e eletrônica e seu PIB per capita aproxima-se dos da Áustria e da Holanda e é ligeiramente inferior aos da Alemanha e da Bélgica.
A disparidade descrita acima entre as posturas do Brasil e da Finlândia encontra paralelo no divórcio de condutas entre o País e a Noruega no segmento de petróleo e gás, cenário da quarta maior aquisição de 2017, do campo de Roncador, da Petrobras, pela norueguesa Statoil por 2,9 bilhões de dólares.
Em vez de seguir o bom exemplo nórdico, de desenvolvimento a partir da atividade de prospecção petrolífera de uma sólida cadeia produtiva industrial, o governo empenha-se no desmantelamento da sua maior empresa e de vários dos seus principais fornecedores.
A Noruega e o Reino Unido usaram a concessão de licenças de exploração no Mar do Norte para forçar as suas companhias petrolíferas a realizar parte crescente de suas compras em fornecedores locais. Cabe lembrar que a Petrobras e o governo fazem o oposto e buscam o banimento completo de conteúdo local nas plataformas.
Houve preocupação, principalmente da Noruega, com o desenvolvimento de uma cadeia nacional de fornecedores competitivos e tecnologicamente atualizados, diretriz explicitada no Relatório Parlamentar nº 25 do Ministro da Fazenda da Noruega, de 1974, no início do processo de concessões: “Não é primordialmente uma questão de estimular a indústria a realizar entregas em grande escala, mas de garantir que a indústria norueguesa se envolva nos setores em que há possibilidade para acumular experiência e desenvolvimento adicional.
Será dada importância à capacitação da indústria norueguesa para assumir desenvolvimentos tecnológicos de modo a possibilitar que o país se torne competitivo em outros campos tanto quanto no dominado pelas atividades petrolíferas, que um dia se esgotarão”, norteia o documento.
A política foi bem-sucedida e possibilitou a formação de um complexo de indústrias de alto conteúdo tecnológico concentrada em Stavanger e que envolve mais de mil empresas. Os índices de conteúdo local aumentaram de 28% em 1975 para 62% em 1978 e se mantêm nesse patamar.
A orientação do governo atual de desvincular o IDE do desenvolvimento brasileiro aprofunda as distorções geradas no período FHC e estudadas pelos economistas Mariano Laplane, Fernando Sarti, Célio Hiratuka e Rodrigo Sabbatini, da Unicamp.
Eles constataram que, apesar do significativo aumento do IDE no Brasil, de 0,9% do total mundial entre 1987 e 1992 para 4,5% em 1999, “a maior parte dos investimentos não foi destinada à formação de capacidade produtiva nova, mas àquela já existente, fato que explica a relação entre a formação bruta de capital fixo e o PIB ter se mantido estável, mesmo com o grande aumento do volume de IDE”.
Na falta de regulamentação vinculada a objetivos de longo prazo do país receptor, a companhia investidora age em benefício dos seus interesses legítimos que privilegiam a compra de empresas prontas com marca e mercado consolidados, em investimentos denominados brownfield, em vez de iniciar uma fábrica e assumir todos os riscos inerentes, processo chamado greenfield, e aguardar a maturação do empreendimento. No seu auge, em 2001, a parcela brownfield representou 80% do total do IDE mundial.
As empresas estrangeiras, garantiam os neoliberais nativos, reduziriam a vulnerabilidade externa e promoveriam o crescimento, tanto por meio dos seus investimentos quanto de sua contribuição, direta ou indireta, para o aumento e a sofisticação da pauta de exportações.
A promessa neoliberal não foi, entretanto, cumprida, mostram os economistas: “As avaliações otimistas acerca do potencial de geração de divisas do comércio internacional das filiais brasileiras partiam da hipótese de que os investimentos diretos estrangeiros dos anos 1990 generalizariam as ‘filiais globalizadas’ e de que estas seriam fortemente superavitárias. Esse seria o resultado inexorável da combinação de tendências internacionais e da abertura e desregulação da economia brasileira”.
Diante das tendências internacionais, entretanto, a “ideia do predomínio de ‘filiais globalizadas’ e superavitárias parece excessivamente simplista e os dados sobre as atividades comerciais das subsidiárias das estrangeiras de fato não sustentam tal hipótese”, criticam os autores do trabalho.
Um erro simétrico ao de atribuir a filiais estrangeiras virtudes que elas não necessariamente possuem, chama atenção o grupo da Unicamp, é identificar nas empresas nacionais defeitos igualmente imerecidos. No setor industrial, acrescentam, algumas das firmas desnacionalizadas estavam entre as mais eficientes e internacionalizadas do País e possivelmente foram prejudicadas por “danos colaterais” provocados por políticas econômicas que, em vez de beneficiar as eficientes e competitivas, priorizaram aquelas com acesso rápido e barato ao financiamento externo.
Os efeitos desse processo estão bem descritos neste trecho do artigo do economista João Furtado intitulado “Globalização das Empresas e Desnacionalização”, integrante da coletânea sobre o assunto organizada pelo também economista Antônio Corrêa de Lacerda: “Muitas das firmas brasileiras que tinham alcançado um grau de desenvolvimento limitado, porém próprio, foram integradas pelos seus novos controladores a esquemas mais amplos e globalizados, mas também mais vinculados e mais subordinados."
Furtado continua: "A agilidade para atuar no espaço global foi reforçada, mas a capacidade de definir estratégias vinculadas ao espaço local e que propiciem um desenvolvimento convergente com a norma internacional deteriorou-se de forma significativa nos últimos anos em que a estrutura econômica brasileira foi profundamente transformada, sobretudo em termos patrimoniais. Isto representa um fator limitativo da forma brasileira de adesão à globalização e o Brasil terá de se defrontar com ele e com os seus inúmeros efeitos cumulativos nos próximos decênios”. Dezoito anos depois dessa análise, o problema não só persiste como se agravou.
O argumento para receber investimentos estrangeiros diretos parece esmagador, pondera Chang, pois ao contrário de outras formas de entrada de capital estrangeiro é estável, melhora as capacidades produtivas do anfitrião em organização, habilidades e tecnologia mais avançadas, mas tem limitações e problemas.
Não necessariamente é uma fonte estável de moeda estrangeira e pode ter impactos negativos na posição cambial do receptor ao gerar demandas adicionais de importação de insumos por subsidiárias locais de transnacionais e contratação de empréstimos externos.
“É por isso que muitos países impuseram controles sobre as receitas e os gastos em divisas estrangeiras pelas empresas estrangeiras que fazem o investimento, a exemplo de objetivos de exportação e de aquisição local de insumos”, diz. Em alguns casos o IDE é feito com a intenção explícita de não melhorar as capacidades produtivas da empresa, comprada por estar subvalorizada pelo mercado e com perspectiva de ser passada adiante.
“Às vezes, o investidor estrangeiro direto pode até mesmo destruir ativamente as capacidades produtivas existentes da firma adquirida por meio de uma retirada de ativos. Quando a espanhola Iberia comprou algumas companhias aéreas latino-americanas na década de 1990, trocou seus antigos aviões por aeronaves novas pertencentes às adquiridas levando algumas delas à falência devido a um histórico ruim de serviços e altos custos de manutenção.”
Ninguém deve se iludir, as transnacionais não transferem as atividades mais valiosas para fora do seu país de origem. Há necessariamente um limite, portanto, no nível de sofisticação que uma subsidiária pode alcançar a longo prazo, mostra o exemplo da Toyota usado por Chang: “Se o Japão liberalizasse o IDE em sua indústria automobilística na década de 1960, a Toyota definitivamente não seria hoje uma das maiores indústrias automobilísticas do mundo. Teria sido eliminada ou, mais provavelmente, se tornado uma subsidiária valiosa de uma montadora americana”.
Na maioria dos casos de sucesso econômico países recorreram à regulamentação do IDE e às vezes de maneira draconiana, como na Finlândia, no Japão, na Coreia e em certos setores nos EUA.
Aos desenvolvidos não interessa manter coerência com sua própria história e aceitar a regulamentação do IDE pelos desenvolvidos. Antes, o contrário: tentaram ao máximo na última década proibir toda restrição existente. Através da Organização Mundial do Comércio, introduziram o Acordo TRIMS (Trade-related Investment Measures), que proíbe requisitos de conteúdo local, de exportação e de compensação cambial.
Pressionaram por maior liberalização nas negociações do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços e no acordo de investimento proposto na Organização Mundial do Comércio. Tratados bilaterais e regionais de livre-comércio e de investimentos entre nações ricas e pobres também restringem a capacidade dos países em desenvolvimento de regular o IDE.
É considerado particularmente danoso o chamado Capítulo 11 do Tratado de Livre-Comércio da América do Norte, que os EUA conseguiram incluir em todos os seus acordos bilaterais. Os investidores estrangeiros têm o direito de levar o governo do país anfitrião a órgãos especiais de arbitragem internacional do Banco Mundial e das Nações Unidas se acharem que o valor de seu investimento foi reduzido devido à ação do governo e isso inclui desde nacionalização até regulamentação ambiental.
Segundo Yilmaz Akyüz, economista da instituição de pesquisas South Centre, o IDE nos países em desenvolvimento se concentra cada vez mais em setores de serviços com pouco potencial de exportação, conclusão que converge com a do trabalho da Unicamp.
Mesmo na manufatura voltada para a exportação, o IDE tem um conteúdo muito alto de importação (valor agregado estrangeiro). Além disso, uma grande proporção do valor agregado doméstico é capturada por empresas estrangeiras, como lucros, royalties, taxas de licenciamento, remessas de salários e juros pagos sobre empréstimos das controladoras.
Como resultado, as suas receitas de exportação não cobrem as importações e transferências de renda – ou seja, elas incorrem em déficits em conta corrente em suas operações, contribuindo negativamente para o balanço de pagamentos, analisa Akyüz.
“Tornou-se ainda mais difícil extrair dessas empresas estrangeiras efeitos positivos para o desenvolvimento industrial, porque elas se tornaram cada vez mais livres e os governos em muitas das nações em desenvolvimento perderam a autonomia política como resultado das obrigações assumidas em acordos de investimento multilaterais e bilaterais.”