Ficha Limpa não impede o direito de Lula ser candidato, diz advogado

Enquanto as pesquisas continuam a registrar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na dianteira de intenções de voto, persistem as tentativas de retirar o direito dele de ser candidato nas eleições de outubro.

Por Dayane Santos

Fernando Neisser - Reprodução

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve julgar nesta terça-feira (29) um questionamento feito pelo deputado federal Marcos Rogério (DEM-RO) que consultou se uma pessoa que se tornou réu em ação penal pode ser candidato à Presidência da República.

O relator do caso, ministro Napoleão Nunes Maia, já manifestou que concorda com o parecer da área técnica que o questionamento não deve ser respondido, pois não se trata “apenas sobre matéria eleitoral, tampouco apresenta a necessária clareza e objetividade para ser respondida; gerando, ainda, multiplicidade de ilações”.

Apesar de a consulta não citar o nome do ex-presidente, pré-candidato à presidência pelo PT, o entendimento do ministro Napoleão é que ela trata de um caso concreto e o TSE analisa apenas situações em tese. Por não se tratar de uma indagação genérica, uma resposta à consulta “faz com que o desfecho das indagações antecipe ilação sobre situação concreta que somente poderá ser aferida na data ou após a realização do pleito eleitoral”, diz o documento assinado pela analista judiciária Elda Eliane de Almeida.

Em entrevista ao Portal Vermelho, o advogado especialista em direito eleitoral e da Comissão de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Fernando Neisser, a lei não impede, pelo contrário, assegura o direito de Lula ser candidato.

“Para alguns tipos de inelegibilidade, principalmente aquelas que decorrem de condenação de segundo grau, seja uma condenação por improbidade ou criminal, a própria Lei da Ficha Limpa entende que é muito grave quebrar a presunção de inocência de uma pessoa e proibi-la de ser candidata por uma questão prática: como essa pessoa estará com recursos pendente de fundamento nos tribunais superiores, se em um, dois ou três anos ela ganha o recurso e reverte a decisão, não há como voltar no tempo e fazer nova eleição. Esse prejuízo é máximo e é permanente”, explicou Fernando.

Segundo ele, é uma garantia da própria lei que determina que nessas hipóteses as pessoas podem entrar com um pedido de liminar nos seus recursos para esses tribunais superiores já questionando se há alguma probabilidade de chance de ter sucesso e se isso ocorrer que seja suspensa a inelegibilidade.

“Esse pedido foi feito nos recursos do ex-presidente Lula que foram apresentados no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao STJ e STF. Isso demonstra que, ao contrário do que o ministro Gilmar Mendes chegou a mencionar, que o Lula teria uma inelegibilidade aritmética, algo que seria incontestável e indefensável, o tipo de inelegibilidade dele é a que admite um questionamento, até porque se reconhece que está se limitando o direito de alguém de se candidatar que ainda não foi condenado de forma definitiva e pode não ser”, frisou.

O advogado reforça que o Tribunal Superior Eleitoral pode declarar a inelegibilidade liminarmente, antes da decisão final, para impedir que uma pessoa faça campanha, nos casos em que o candidato não preencha os requisitos estabelecidos pela Constituição. Para ser candidato a presidente é preciso ser brasileiro nato, ter mais de 35 anos e ser filiado a um partido político.

“Um italiano de 21 anos que fosse indicado por um partido e pedisse o registro de candidatura, poderia ser aceito como candidato e enquanto esse processo de registro tramitasse, essa pessoa poderia fazer campanha, ocupar o horário eleitoral gratuito, receber doações e fazer despesas? Me parece que não porque esse tipo de inelegibilidade não admite qualquer hipótese de contestação. A única limitação que coloca [ao TSE] é de ao menos receber a defesa. É possível cogitar uma liminar desde que espere a defesa e desde que se trate de uma inelegibilidade que não exista a possibilidade de discussão. Portanto, isso não se aplica nem em tese, ao caso de Lula”, argumentou.

Para o advogado, há pouco espaço para se tomar qualquer decisão antecipadamente. “A lei diz que se acontecer qualquer fato até a eleição que afaste a inelegibilidade isso tem efeito e resolve o problema da pessoa. Como poderia o TSE presumir que os recursos de mérito do Lula não seriam julgados em setembro ou começo de outubro? Não tem como”, indagou Neisser.

Questionado sobre essa pressão midiática e de alguns setores para que o Judiciário atenda interesses alheios ao da Constituição, Fernando Neisser enfatizou que o momento é de “reafirmar a independência do Judiciário com relação à opinião pública”.

“O Poder Judiciário tem uma missão dada pela Constituição que é defender a Carta Magna e as leis. No sistema de tripartição dos poderes, temos dois cuja a função é ouvir a voz das ruas: Legislativo e o Executivo. Se tivermos três poderes ouvindo a voz das ruas temos um desequilíbrio que joga por terra o direito”, defendeu.

O advogado conclui afirmando que "é inviável imaginar que ele [Lula] entre maio e agosto fosse condenado em primeira e segunda instância, por mais que o TRF tenha celeridade o TRF".

"Então, não me parece que haja outras hipóteses de inelegibilidade. E sobre o processo que tem em segunda instância, não acredito que o STJ, até agosto, julgue no mérito do recurso especial", completou.