Publicado 22/06/2018 15:59
Situados no centro do sistema de poder e integrantes do único setor da economia que proporcionou lucros espetaculares e de modo contínuo nas últimas décadas, os bancos têm interesse óbvio nas próximas eleições presidenciais.
Isso está expresso não só em boletins diários ou semanais como em relatórios extensos, estes quase sempre de divulgação mais restrita, redigidos em inglês e destinados a clientes especiais e investidores residentes no País e no exterior. É o caso das publicações divulgadas em abril e maio por quatro instituições financeiras, sendo duas nacionais e duas estrangeiras: Itaú, BTG Pactual, J.P. Morgan e Santander.
Chama atenção, no caso das instituições estrangeiras, a desenvoltura em assumir o quanto o pleito nacional é essencial à sua estratégia, como faz o J.P. Morgan ao declarar que “a eleição brasileira é, de longe, o fator mais importante na formatação da economia e dos mercados para 2018 e anos seguintes”.
Um pleito mais imprevisível que outros por três motivos, segundo o Morgan: a instabilidade política que começou com os protestos de massa de 2013, os quais ressurgiram em um formato diferente durante as eleições de 2014 e culminaram no impeachment de Dilma Rousseff; a Lava Jato iniciada em 2014 e que revelou uma ampla rede de corrupção em todos os escalões do sistema político, inclusive com acusações envolvendo o presidente Temer em maio de 2017 e que quase levaram à queda do governo no ano passado e “sepultaram a muito esperada aprovação de uma ampla reforma da Previdência”; e a mais profunda recessão do País, em 2015 e 2016.
“Apesar de boa parte da macroeconomia ter melhorado, pesquisas indicam que a economia não é uma prioridade na cabeça dos eleitores. Ainda assim, nossos economistas acreditam que uma melhora do ambiente macro ajudaria um candidato centrista. Reunindo essas três diretrizes contextuais ao lado de tendências observadas nas escolhas do Brexit e de Trump, não é difícil entender por que os candidatos anti-establishment lideram as pesquisas”, concluem os autores do trabalho elaborado pelo banco estadunidense.
Esperar dos elaboradores do guia a identificação, entre as causas da derrota da reforma da Previdência, da resistência da oposição no Congresso, dos sindicatos e de várias organizações da sociedade seria imaginar que a análise do banco, além de destituída de ideologia, pudesse ir um pouco além da cobertura rasa e viesada dos fatos políticos feita pelos jornais, sua referência principal.
Em todos os relatórios, exceto por algumas passagens um pouco mais significativas, impera a mesma ênfase quantitativa das análises feitas pelos economistas do setor, reconhecidamente pobres. O manual de 45 páginas do J.P. Morgan, por exemplo, sublinha as principais forças políticas do País, relaciona os candidatos mais prováveis, estende-se a respeito da dinâmica no Congresso, destaca alguns assuntos e pouco acrescenta em relação ao informado pela mídia.
O que está em jogo nesta eleição?, indagam os autores do estudo do Morgan, para em seguida responder: “Eleições gerais são sempre um fator definidor para os investimentos na maior parte dos países e no Brasil mais ainda. Além disso, desta vez parece que há mais em jogo em relação às perspectivas do País do que nos ciclos políticos do passado.
De um lado, as taxas de juro batem recordes de baixa, o que permite alimentar perspectivas melhores de crescimento mais adiante. De outro, a situação fiscal está entre as piores dentre os grandes países emergentes. Para garantir os ganhos da política monetária (destaque no original), mudanças estruturais são necessárias e a principal delas é a reforma da Previdência”.
A passagem nada acrescenta aos interessados em aumentar a compreensão sobre as eleições, mas serve ao menos para mostrar que as diretrizes do Consenso de Washington, o roteiro da condução do mundo à crise desde os anos 1990, continuam intactas entre os escombros de 2008.
"A nossa equipe de macroeconomia compilou dados das pesquisas das sete últimas eleições presidenciais em diferentes momentos. Os números contam várias histórias interessantes”, destaca o Banco Santander:
1. Esta eleição não é típica: na média, 180 dias antes da votação o segundo colocado no primeiro turno tem 28% das intenções de votos.
2. A julgar pelas pesquisas das eleições anteriores, vários candidatos ainda têm chance neste ano: em 1989, Lula avançou para o segundo turno depois de alcançar só 7% nas pesquisas quatro meses antes do pleito; em 2014, Aécio ganhou 14 pontos porcentuais no último mês de campanha.
3. Nas duas eleições mais fragmentadas, a de 1989 e a de 2002, 16% e 21% das intenções de voto, respectivamente, foram suficientes para levar o candidato ao segundo turno.
4. Embora o conjunto de intenções de voto em branco, nulo e indecisos seja alto, em torno de 28%, não é maior do que nas eleições de 2014.
As intenções de voto podem mudar muito, ainda mais quando não há possibilidade de reeleição do presidente, como em 2018, constata o banco BTG Pactual. “Em 2002 e 2010, quando não havia candidato à reeleição, Lula e Dilma tinham 29% das intenções de voto 200 dias antes das eleições, mas saltaram para 45% e 47% na última pesquisa, com enormes diferenças de 16% e 18%.”
Ao comentar a pesquisa realizada pela CNT/MDA entre 9 e 10 de maio, “a segunda depois da prisão de Lula”, os analistas da instituição destacam que, apesar da condenação em segundo grau, o ex-presidente continua a dominar os cenários de primeiro e segundo turnos, embora 51% dos entrevistados no levantamento acreditem na sua culpa, enquanto 38% estão certos da sua inocência.
“Ciro Gomes foi o único candidato a ‘prosperar’ (destaque no original) entre março e maio, de 8,1% para 9% das intenções de voto. A maior parte desses votos veio do universo de eleitores indecisos, que dispararam de 10,5% para 16,1%. Isso mostra a esta altura que os brasileiros não estão contentes com as opções atuais”, concluem os economistas do BTG Pactual.
A equipe de macroeconomia do Banco Itaú fez uma seleção de declarações dos pré-candidatos Jair Bolsonaro, Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alkmin que não deixa de ser reveladora. O levantamento abrangeu os temas privatizações, impostos, limites do Orçamento, reforma da Previdência, reformas parafiscais, BNDES e autonomia do Banco Central.
A propósito da posição de Bolsonaro sobre privatizações, por exemplo, os analistas escolheram como representativa uma frase de entrevista concedida em março: “Nós não podemos entregar nossa riqueza mineral, nossa terra cultivável, nosso subsolo, nossas linhas de transmissão, nossas usinas hidrelétricas para um país estrangeiro. Eu sou pelas privatizações, mas o que é estratégico deve ser preservado”.
Em abril, Marina Silva disse: “Eu não tenho uma posição contra as privatizações, mas elas não podem ser feitas descuidadamente. E eu sou contra a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica”. No mesmo mês, seu assessor Bazileu Margarido afirmou: “Marina acredita que é necessário estabelecer relações republicanas com as estatais… O Estado não pode ter uma relação privilegiada com os reguladores”.
Três frases foram pinçadas pelos analistas para sintetizar a posição de Ciro Gomes sobre o mesmo assunto: “A privatização da Eletrobras está fora de questão”, “Eu vou retomar três hidrelétricas em Minas Gerais” e “Eu vou retomar a Embraer”. Para condensar a posição de Geraldo Alkmin a respeito do tema, foi selecionada esta frase do seu assessor Persio Arida, de março: “A privatização requer tempo… se o programa é privatizar tudo… nada será privatizado”.
Chama atenção nesta escolha o fato de se descartarem declarações muito mais contundentes, radicais até, pronunciadas pelo próprio Alkmin acerca de privatizações, seletividade essa que poderia ser entendida como uma confirmação indireta da versão dominante de que seria este o candidato preferido do chamado mercado.
A contundência das frases de Bolsonaro e Ciro apresentadas pelos autores do levantamento funcionam do mesmo modo, mas na direção oposta, no sentido de insinuar que tais opções foram excluídas. Para quem não se lembra, Alkmin prometeu em fevereiro privatizar a Petrobras e a Caixa, mas depois se desdisse diante da péssima repercussão da sua fala entre os eleitores, na maioria contrários à desestatização, segundo pesquisas.
A abordagem dos autores do guia eleitoral do J.P. Morgan no tópico intitulado “Polarização” revela uma instituição contrariada pelas perspectivas que identifica: “A esquerda está mais à esquerda e a direita está mais à direita. Em contraste com as duas eleições anteriores, quando havia um esforço da esquerda para caminhar em direção ao centro para se tornar mais aceita, o discurso agora parece estar mais distante do centro.
No outro lado do espectro, nunca houve no Brasil um candidato competitivo da ‘extrema-direita’ como Jair Bolsonaro. Cabe acrescentar que, pelo visto, não adiantou Bolsonaro chamar o ultraliberal Paulo Guedes para ganhar a confiança do mercado, pois este se convenceu de que, se o militar da reserva vencer a eleição, ele próprio mandará na economia.
É importante notar, prossegue a análise do Morgan, que os eleitores brasileiros tendem a preferir o centro. “Lembrem-se de que, após concorrer três vezes, o ex-presidente Lula elegeu-se em 2002, quando havia se deslocado para o centro. À exceção da eleição de 1989, vencida por Fernando Collor de Melo, impedido dois anos depois, não houve pleito no qual não existisse garantia de que um candidato do centro/centro-direita disputaria o segundo turno.
Desta vez, não há garantia de que o centro chegará ao segundo turno, tornando esta a mais imprevisível eleição dos últimos 30 anos”, reclamam os autores do relatório, que assim concluem: “O mau desempenho dos candidatos de centro reformistas sobressai, desafiando nosso cenário básico (de uma eleição) favorável ao mercado”.