Manuela: "Em momentos de recuo civilizacional, covardia vira o pão nosso amargo de cada dia"
Numa semana em que um jovem de 14 anos foi baleado e morto numa ação da intervenção militar no Rio de Janeiro e crianças choravam pedindo pelos pais presas em gaiolas nos Estados Unidos, a pré-candidata à Presidência da República, Manuela D'Ávila, falou da sua preocupação com o retrocesso civilizatória que vivemos atualmente.
Por Dayane Santos
Publicado 23/06/2018 17:52

"Em momentos de recuo civilizacional grave, como o que estamos vivendo, a covardia vira o pão nosso amargo de cada dia. Vítimas maiores disso são sempre os idosos e as crianças – os que, na barbárie, têm menos condições de se defender", enfatizou Manuela. "O assassinato de Marcos e as crianças em gaiolas nos Estados Unidos jogaram isso no nosso rosto", completou.
"A culpa é desse Estado doente que está matando as nossas crianças com roupa de escola", disse a trabalhadora doméstica Bruna Silva, mãe de Marcos Vinícius, o adolescente de 14 anos, morto durante uma operação policial no Complexo de Favelas da Maré, na zona norte de um Rio de Janeiro sob intervenção federal.
A contundente afirmação de Bruna é baseada na realidade que enfrenta e que sacrificou a vida de seu filho que no pouco tempo de lucidez que teve após ser baleado contou a ela como os fatos ocorreram. "Ele disse: 'Mãe, eu sei quem atirou em mim, eu vi quem atirou em mim. Foi o blindado, mãe. Ele não me viu com a roupa de escola?", contou Bruna.
"Dizem que minha comunidade é violenta. Mas a minha comunidade não é violenta, ela é muito boa. É a operação que, quando vai lá, vai com muita truculência", acrescentou a mãe.
"Estão segurando mochila e caderno, não é arma, não é faca. Não estão roubando e nem se prostituindo, estão estudando!", enfatiza Bruna.
A lucidez e indignação da mãe do jovem Marcos é contrastada pelo discurso de Torquato Jardim, ministro da Justiça de Michel Temer. "Não há guerra que não seja letal", disse ao justificar a intervenção militar no Rio de Janeiro, em entrevista ao Correio Brazliense.
Na lógica do governo, as vidas de inocentes que são aniquiladas pela intervenção é apenas parte do processo. E como são tratados como inimigos, e não como cidadãos que precisam de proteção, a letalidade está inclusa da conta. Essa foi a principal crítica apresentada contra o uso das Forças Armadas como força de segurança.
Para justificar a conduta letal e surfar na insegurança da população diante do aumento da criminalidade, Torquato ainda reforça a tese de que os fins justificam os meios e de que um policial age usando seus instintos humanos ao atirar para matar, quando o seu dever e treinamento não é o de fazer justiça com as próprias mãos, oou pelo menos não deveria ser.
"Se está lá com PM, Polícia Civil e Forças Armadas, se passar um guri de 15 anos de idade, você vê a foto dele, já matou quatro, entrou e saiu do centro de recuperação, uma dúzia de vezes, e está ali com um fuzil exclusivo das Forças Armadas, você vai fazer o quê? Prende. O guri vai lá e sai, na quarta ou quinta vez que você vê o fulano, vai fazer o quê? Você tem uma reação humana aí que deve ser muito bem trabalhada psicologicamente, emocionalmente, no PM ou no soldado. Você está no posto, mirando a distância, na alça da mira aquele guri que já saiu quatro, cinco vezes, está com a arma e já matou uns quatro. E agora? Tem que esperar ele pegar a arma para prender em flagrante ou elimino a distância? Ele é um cidadão sob suspeita porque não está praticando o ato naquele momento ou é um combatente inimigo? Os EUA enfrentaram esse tema como um inimigo combatente. É a noção de guerra assimétrica, estamos vivendo uma guerra simétrica", afirmou.
Ele ainda admite que a intervenção militar decretada até 31 de dezembro deste ano não tem planejamento nem estratégia de ação. "Você não sabe nem quais são os recursos necessários, não sabe quantos são necessários e usando qual arma. Quantos eu preciso para a Rocinha? Não sei. Como você vai prevenir aquela multidão entrando e saindo de todas as 700 favelas? Tem 1,1 milhão de cariocas morando em zonas de favelas, de perigo. Desse 1,1 milhão, como saber quem é do seu time e quem é contra? Não sabe. Você vê uma criança bonitinha, de 12 anos de idade, entrando em uma escola pública, não sabe o que ela vai fazer depois da escola. É muito complicado", disse.