O habeas corpus de Lula e a morte do direito
O caráter político da condenação e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva torna-se cada vez mais evidente pela ação de alguns membros do Judiciário, que intervêm e atropelam a ordem hierárquica entre os juízes, levando a justiça brasileira a uma desmoralização muito forte.
Por José Carlos Ruy*
Publicado 08/07/2018 20:28
A divulgação, na manhã deste domingo (8) da decisão do desembargador Rogério Favreto, do TRF-4, de mandar soltar o ex-presidente, causou perplexidade entre notórios propagandistas do ponto de vista da direita, que passaram a pressionar pela revisão daquela decisão de soltura. Sua suspensão não demorou, ilustrando o caos jurídico em torno da questão, com evidentes repercussões eleitorais.
A ordem de soltura foi revogada por outro desembargador, num frenético vai e vem que demonstra a situação de inusitada insegurança jurídica que o Brasil vive desde que setores importantes do Judiciário passaram a perfilar as forças golpistas que tomaram o poder em 2016. O desembargador Favreto ainda emitiu novo despacho determinado a imediata soltura do ex-presidente, mas sua decisão também foi tornada sem efeito pelo presidente do TRF-4, sem que tivesse prerrogativas para tal.
O absurdo jurídico criado no esforço conservador de reverter a decisão pela liberdade de Lula provocou a veemência da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia que, em nota, se manifestou publicamente. Mais de 125 juristas de todo o Brasil posicionaram-se pela concessão do habeas corpus, acusando a tentativa do juiz Sérgio Moro e do desembargador João Pedro Gebran Neto, que fora relator da Ação Penal no TRF-4, de revogar a decisão pela soltura do ex-presidente, de infração da lei (prevaricação, acusa a nota) pela qual podem responder criminalmente por desacatar a uma ordem judicial. A nota chega a comparar a atitude de Gebran, de avocar para si o processo contra Lula (“que não lhe foram ainda submetidos mediante distribuição regular”) de “inadmissível” pois era prática comum sob a ditadura militar, banida em qualquer ordem jurídica democrática, acusa a nota.
Acusa-os também de “indisfarçável interesse na causa”, sendo suspeitos para “continuarem a exercer jurisdição em qualquer ação relativa ao ex-presidente”.
Onde está a segurança jurídica? O Estado de Direito? Decisão judicial é para ser cumprida – e se necessário, recorre-se contra ela. Mas deve ser cumprida. Quando um juiz de 1ª instância contesta a decisão de um desembargador, de uma instância hierarquicamente superior a ele, há uma inversão hierárquica. A ordem, baseada na hierarquia consciente entre seus membros, se desmancha. E tudo pode surgir dessa situação de desagregação, onde a vontade de alguns se sobrepõe ao império da lei.
Um juiz de 1ª instância não pode se insurgir contra decisão que apenas o colegiado do TRF 4ª Região (de Porto Alegre) poderia contrariar – a ordem de habeas corpus deferida pelo desembargador.
A situação criada no Brasil contraria a vigência da lei; é o reino do vale-tudo onde os poderosos dispõem, de maneira discricionária, da lei e da estrutura jurídica. Como diz o governador Flávio Dino, que foi juiz federal, esta situação poder levar à morte do Direito. “Baixa credibilidade nas instituições; quebra da legitimidade do poder do Estado; esvaziamento das eleições; acirramento dos conflitos sociais. Basta ler as pesquisas de opinião para constatar”, são as consequências previstas por Dino. O risco dessa situação se configurar, exige uma ação amplas das forças democráticas e progressistas em defesa do Estado Democrático de Direito.