Belluzzo: Keynesianismo de perna curta

Homens de negócios como Mendonça e Loyola acham mais divertido ganhar dinheiro do que melhorar a vida dos cidadãos.

Por Luiz Gonzaga Belluzzo

Bolsa brasileira fechou em alta após dias de pânico -Foto: Leo Caobelli/Flickr/Creative Commons

Em artigo no jornal Valor, o ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros juntou seus trapos aos do ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola para detonar os economistas keynesianos. Há algum tempo, Loyola desqualificou os “keynesianos de botequim”. Na última semana, Mendonça de Barros criticou os “keynesianos de pé quebrado da Unicamp”.

Um velho amigo, frequentador dos inesquecíveis botequins da Pauliceia, desconfia que os saberes keynesianos de Loyola não estão à altura sequer de seus desconhecimentos de botequins. Já Mendonça de Barros é reconhecido por suas ideias e previsões econômicas de pernas curtas, mas ambições de olho gordo.

A versão trôpega do keynesianismo acolhido por Loyola, Mendonça & Cia está disponível quer nos botequins, quer nos salões acarpetados em que se abrigam os cobiçosos da finança e os bonecos de ventríloquo do mercadismo. Essa turma poderia iniciar a leitura da obra de Maynard pela resenha do livro Clissold de H.G. Wells.

Aí, Keynes indaga por que homens de negócios práticos, como Clissold, Mendonça e Loyola, acham mais divertido ganhar dinheiro em vez de participar de uma conspiração para melhorar a vida dos cidadãos. Responde: “Eles flutuam em torno do mundo buscando algo em que possam grudar sua libido abundante. Mas não encontram. Eles gostariam de ser apóstolos. Mas não podem. Permanecem homens de negócios”.

Também interessante para apóstolos de perna curta e olho gordo é a leitura do artigo Economic Possibilities for our Grandchildren. Em seu estilo peculiar, avesso aos cacoetes da linguagem usual dos economistas dinheiristas, Keynes desenha as possibilidades econômicas dos 100 anos seguintes.

Na visão do autor, o capitalismo, impulsionado pelo avanço tecnológico e pela rápida acumulação produtiva, criou as condições para a superação das limitações impostas milenarmente à satisfação das necessidades básicas. Essa vitória sobre a escassez acenou com a fruição de uma vida boa, moral e culturalmente enriquecedora para homens e mulheres.

No entanto, em sua maníaca obsessão pela acumulação monetária, o capitalismo cria tantos problemas quanto os que consegue resolver. A admirável “criatividade” produtiva e tecnológica não consegue realizar a promessa da vida boa. Os poderes que o convocam à produção da abundância são os mesmos que submetem as criaturas humanas ao vício do consumismo, à permanente insatisfação das necessidades ilimitadas, aos grilhões do impulso insaciável da acumulação de riqueza monetária.

Nesse texto perturbador para o ethos da sociedade aprisionada nas engrenagens da concorrência, Keynes escreve: “Devemos abandonar os falsos princípios morais que nos conduziram nos últimos dois séculos. Eles colocaram as características humanas mais desagradáveis na posição das mais elevadas virtudes. Não há nenhum país, nenhum povo, que possa vislumbrar a era do tempo livre e da abundância sem um calafrio […], pois fomos educados para o esforço aquisitivo e não para fruir […]. Se avaliarmos o comportamento e as realizações das classes abastadas de hoje, as perspectivas são deprimentes […] Os que dispõem de rendimentos diferenciados, mas não têm deveres ou laços, falharam, em sua maioria, de forma desastrosa no encaminhamento dos problemas que lhes foram apresentados”.

O “amor ao dinheiro”, dizia Keynes, é o sentimento que move o indivíduo na economia mercantil-capitalista. A acumulação de riqueza é benfazeja quando dirigida ao progresso material das comunidades e à disseminação dos confortos e facilidades da vida moderna. No entanto, fator de progresso e de mudança social, the love of money termina por degenerar em vício e tormento para o homem moderno.

“A avareza é um vício, a usura uma contravenção, o amor ao dinheiro algo detestável. Valorizaremos novamente os fins acima dos meios e preferiremos o bem ao útil. Honraremos os que nos ensinam a passar bem e virtuosamente a hora e o dia, as pessoas agradáveis capazes de ter um prazer direto nas coisas, os lírios do campo que não mourejam nem fiam.”

Por essas e outras, a proposta keynesiana de socialização do investimento está associada à eutanásia do rentista, à abolição do poder dos proprietários e administradores da riqueza líquida. A política bancária e de crédito deve ser administrada para neutralizar “o poder de opressão cumulativo do capitalista para explorar o valor de escassez do capital… enquanto podem haver razões intrínsecas para a escassez da terra, não as há para a escassez de capital”.

Numa resposta a James Meade, Keynes fulmina os oportunismos de perna curta: “Você acentua demais a cura e muito pouco a prevenção. A flutuação de curto prazo no volume de gastos em obras públicas é uma forma grosseira de cura, provavelmente destinada ao insucesso”.

Essa forma grosseira é a versão “keynesiana” da perna curta e do olho gordo.