STF deve decidir sobre terceirização nesta quinta-feira

O julgamento se refere a contratos anteriores à reforma trabalhista, quando o Tribunal Superior do Trabalho (TST) proibiu a terceirização de atividades fim e autorizou apenas no caso de atividades meio.

Supremo Tribunal Federal - Foto: José Cruz/Agência Brasil

Ao Supremo Tribunal Federal (STF) compete a guarda da Constituição, conforme o art. 102 da Carta. Mas as discordâncias que seus integrantes apresentam em plenário não se remetem a interpretações diferentes da Lei Maior, e sim às suas posições pessoais e políticas. Isso ficou mais uma vez evidenciado no julgamento conjunto de dois processos que discutem a licitude da terceirização. Dos nove ministros, até o momento cinco são pela liberalização total, quatro contra. Sindicalistas realizaram manifestação contra a terceirização ilimitada, diante da sede do STF. Nesta quinta-feira (30) o processo será retomado.

O julgamento se refere a contratos anteriores à reforma trabalhista, quando o Tribunal Superior do Trabalho (TST) proibiu a terceirização de atividades fim e autorizou apenas no caso de atividades meio. Cerca de 3,9 mil processos de contratos antigos estão parados. O tema entrou em pauta no dia 16 de agosto.

No dia 22, o ministro Luís Roberto Barroso, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, e o ministro Luiz Fux, relator do Recurso Extraordinário (RE) 958252, reproduziram a pretensão empresarial e consideraram lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, inclusive nas atividades-fim. Tanto a ADPF 324 quanto a RE 958252 procederam do patronato: da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e da Celulose Nipo Brasileira S/A (Cenibra).

Barroso contestou a realidade, dizendo que a discussão em torno da terceirização “não é um debate entre progressistas e reacionários”. Ele defende que a precarização da relação de emprego existe “com ou sem terceirização”. Argumentou que as restrições à terceirização, da forma como vêm sendo feitas pelo TST, violam os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da segurança jurídica.

Sensível ao patronato, ele considerou lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. Na terceirização, considera que compete à contratante verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada e responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias. Seu voto teve o apoio do ministro Luiz Fux, relator do RE 958252.

Fux votou a favor da Cenibra e contra o TST, que proibiu a terceirização. Para ele, a Justiça do Trabalho inviabiliza a liberdade jurídica de contratar sem restrição. “É essencial para o progresso dos trabalhadores brasileiros a liberdade de organização produtiva dos cidadãos”, afirmou, favorecendo a força dos burgueses contra os proletários. Considerou lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho em pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas. Barroso acompanhou o voto do parceiro.

Dia 23, o STF deu sequência ao julgamento. Alexandre de Moraes e Dias Toffoli concordaram com os relatores. Moraes, constatou que "a Constituição de 1988 adotou o sistema capitalista" e que, na sua opinião, "não é possível impor uma única forma de organização empresarial, e cada empreendedor pode estabelecer fluxo de produção dentro de sua empresa”.

Toffoli mandou a Constituição às favas: “Vivemos hoje num mundo globalizado. Não é mais o mundo do início do enunciado, de 1986, que dizia respeito às leis específicas da época”. Advogou em favor de empresa estrangeira que decide investir em determinado país levando em conta o custo do trabalho, e apontou a legislação trabalhista como causa de interferência no ambiente econômico: “É uma realidade econômica e social que perpassa todos os países industrializados, e o Brasil é um deles”.

No dia 29, Gilmar Mendes foi o primeiro a se pronunciar. Não baseou seu voto na Constituição, mas num crítico dela, o primeiro ministro do Planejamento da ditadura militar, Roberto Campos (chamado de Bob Fields, devido aos posicionamentos sempre alinhados com os interesses norte-americanos, mesmo quando agrediam a soberania brasileira), e senador constituinte (PDS-MT) em 1988. Como parlamentar, Campos não conseguiu aprovar nenhuma de suas propostas. Apresentou 15 projetos de leis no Senado, todos rejeitados, entre os quais instituindo a flexibilização do mercado de trabalho; extinção ou privatização de estatais que fossem deficitárias; contratos de trabalho simplificados, desconsiderando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Chamava a Petrobras de Petrossauro e queria o fim de seu monopólio.

Seguindo seu guru, Mendes disse que a Constituição, pela qual deveria se pautar, e citando Campos, é muito influenciada pelo marxismo. "O que se observa no contexto global é uma ênfase na flexibilização das normas trabalhistas. É temerário ficar alheio a esse inevitável movimento de globalização do fenômeno produtivo, que faz com que empresas tenham etapas de sua produção espalhadas por todo o mundo".

Votos contrários

Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello divergiram. “Não há violação quando a Justiça do Trabalho, interpretando a legislação então existente, adota uma das interpretações possíveis”, afirmou Fachin. Segundo ele, a garantia da livre iniciativa, na Constituição, está acompanhada da necessidade de assegurar o valor social do trabalho. Assim, o TST, ao identificar a terceirização ilícita de mão de obra, apenas tutelou o que está no texto constitucional sobre direitos e garantias dos trabalhadores.

Weber considerou que “o aparato jurídico desenvolvido na CLT e aperfeiçoado pela Constituição de 1988 foi o que conduziu ao tratamento jurídico do tema”. Lembrou que o artigo 9º da CLT declara fraudulenta toda atividade que afaste as normas legais e protetivas consagradas. Citou que “a rarefação de direitos trabalhistas nas relações terceirizadas vulnerabiliza os trabalhadores a ponto de os expor, de forma mais corriqueira, a formas de exploração extremas e ofensivas a seus direitos”.
Lewandowski opinou que "as súmulas representam consolidação dos julgados de um tribunal e não podem ser impugnadas por uma ADPF. ADPF é só para atacar leis em comparação com os dispositivos constitucionais. Além disso, o STF sequer poderia julgar o mérito da ADPF, pois faltam os requisitos básicos para isso”.

Mello lembrou que "o mercado de trabalho é mais desequilibrado do que era em 1943, quando da promulgação da CLT e do afastamento da incidência das normas civilistas. Hoje nós temos escassez de empregos e mão de obra incrível, com um número indeterminado de pessoas desempregadas. O direito não deve fechar os olhos diante da realidade do mercado de trabalho do século 21. Mas a tradicional restrição jurisprudencial à liberação absoluta da terceirização mostra-se em decorrência do próprio princípio da proteção do direito do trabalho". Para ele, a lei "não pode ser fulminada pelo Supremo, que tem o dever de preservar a Constituição”.

A sessão será retomada nesta quinta-feira, 30. Faltam os votos de Carmem Lúcia e Marco Aurélio. Em caso de empate, a presidenta do Tribunal, Carmen, terá o voto de Minerva (termo que se refere ao episódio da mitologia grega em que a deusa Palas Atena – que corresponde à deusa romana Minerva – preside e dá a sentença final no julgamento de Orestes, um reles mortal). Como os juristas gostam de citar em latim, alea jacta est, a sorte está lançada.