Advogada negra é algemada e arrastada em audiência no Rio

A advogada negra Valéria Santos foi algemada e arrasatada durante uma audiência no 3˚Juizado Especial Criminal em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A advogada estava defendendo uma ré quando pediu que sua demanda fosse apreciada em defesa da cliente e disse que não iria se retirar do local enquanto isso não acontecesse. A juíza leiga (considerada juíza auxiliar) Ethel de Vasconcelos, responsável pelo caso, resolveu dar a sessão como encerrada mesmo assim. 

Valéria Santos - OAB-RJ/Reprodução

Em um vídeo que circula nas redes sociais, é possível ver a profissional do Direito ser algemada e arrastada por seguranças após exigir a leitura de contestação de um processo nesta segunda-feira (10). A ordem para a detenção partiu da juíza Ethel de Vasconcelos, ao ser confrontada por Valéria, após negar a apreciação do recurso da ré defendida pela advogada.

O flagrante foi considerado uma violação de prerrogativa e mostrou o abuso de autoridade da juíza sob os direitos de Valéria. Nas imagens, a advogada se recusa a deixar a audiência e insiste no cumprimento de suas atribuições legais em defesa da cliente. "Eu estou indignada de vocês, como representante do Estado, atropelarem a lei. Eu tenho o direito de ler a contestação e impugnar os pontos da contestação do réu. Isto está na lei, eu não estou falando nada absurdo aqui.”

Após a repercussão do caso, a Ordem dos Advogados (OAB) do Estado do Rio apresentou uma representação contra Ethel, que é juíza leiga (auxiliar e ainda sem direito a usar a toga), e pediu punição aos policiais militares que algemaram Valéria dos Santos.

“Num primeiro momento eu senti um certo desdém da própria juíza leiga, mas abstraí isso e continuei com o direito de exercer minha profissão. Em determinado momento, eu quis verificar a peça de contestação. Porque não houve um acordo, então automaticamente eu teria que ver a contestação da parte ré e isso me foi negado”, contou Valéria em entrevista ao G1.

“Foi quando eu pedi a solicitação do delegado da OAB, fui buscar o delegado. Tudo foi muito rápido. Desci, voltei novamente à sala de audiência e fui comunicada que a audiência tinha sido encerrada. Por isso a minha resistência em não sair da sala e aguardar o delegado, para ele ver as relações que estavam sendo ocorridas naquele momento”, completou a advogada.

Segundo o portal do Consultor Jurídico, a advogada declarou que "o que aconteceu naquela situação foi uma violação à minha dignidade como pessoa humana, não apenas como mulher negra. Sou negra, não vou mudar. Mas quero trabalhar livremente. A juíza leiga é advogada como eu”.

Em nota pública, a Frente de Juristas Negras e Negros do Rio de Janeiro (Fejunn-RJ) repudiou a violência contra a advogada em pleno exercício da profissão e analisou que o episódio demonstra a presença do racismo nas instituições brasileiras.

O presidente da Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ), Luciano Bandeira, afirmou que a instituição vê o episódio de forma perplexa. Ainda de acordo com ele, a situação é inconcebível e algo que nunca aconteceu na história do Brasil.

“A postura da ordem é de perplexidade e indignação porque aconteceu ontem em Duque de Caxias algo que nem mesmo na Ditadura Militar se viu. Uma advogada, no exercício da profissão, presa e algemada dentro de uma sala de audiência. Isso é inconcebível e uma afronta ao Estado de Direito, uma afronta à advocacia brasileira, uma afronta ao direito de defesa”, disse Bandeira para o G1.

No vídeo abaixo, é possível ver a advogada algemada enquanto exige o direito de exercer seu trabalho: