A busca pela liberdade é um idioma universal

Está em cartaz nos cinemas brasileiros o filme sobre a saga de três militantes uruguaios do movimento Tupamaros, entre eles José Pepe Mujica, durante a ditadura uruguaia (1973 – 1985). Alguns presos políticos passaram doze anos sem poder se comunicar com ninguém, o filme “Uma noite de 12 anos” traz um destes episódios.

Uma noite de doze anos - Divulgação

Assim como muitos presos, José Mujica, Maurício Rosencof e Eleutério Fernández Hidobro (personagens do filme), também receberam a ordem judicial que os proibia de falar. Simples assim. Não podiam falar nem entre eles, nem com os agentes penitenciários. Permaneceram presos por doze anos e lutaram contra a loucura porque o sonho de liberdade supera a tirania.

A amizade de Eleutério e Maurício já havia sido objeto de outra obra, o texto “Celebração da voz humana/2”, do também uruguaio, Eduardo Galeano, no Livro dos Abraços.  

Os Tupamaros foram um movimento guerrilheiro urbano de resistência à ditadura uruguaia.

Leia na íntegra:

Celebração da voz humana /2

Tinham as mãos amarradas, ou algemadas, e ainda assim os dedos dançavam, voavam, desenhavam palavras. Os presos estavam encapuzados; mas inclinando-se conseguiam ver alguma coisa, alguma coisinha, por baixo. E embora fosse proibido falar, eles conversavam com as mãos.

Pinio Ungerfeld me ensinou o alfabeto dos dedos, que aprendeu na prisão sem professor:
– Alguns tinham caligrafia ruim — me disse — . Outros tinham letra de artista.
A ditadura uruguaia queria que cada um fosse apenas um, que cada um fosse ninguém: nas cadeias e quartéis, e no país inteiro, a comunicação era delito.

Alguns presos passaram mais de dez anos enterrados em calabouços solitários do tamanho de um ataúde, sem escutar outras vozes além do ruído das grades ou dos passos das botas pelos corredores. Fernández Huidobro e Mauricio Rosencof, condenados a essa solidão, salvaram-se porque conseguiram conversar, com batidinhas na parede. Assim contavam sonhos e lembranças, amores e desamores; discutiam, se abraçavam, brigavam; compartilhavam certezas e belezas e também duvidas e culpas e perguntas que não têm resposta.

Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais.