A Lava Jato no centro do poder

O juiz federal Sérgio Moro foi confirmado como futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública de Jair Bolsonaro. Parece uma aberração mas, considerando as aberrações que vivemos desde junho/julho de 2013 e mais precisamente desde o processo de ruptura democrática iniciado em 2016, não é. Está perfeitamente dentro da lógica de um plano antinacional, antipopular e antidemocrático perfeitamente arquitetado de fora para dentro do país, e que agora se consolida.

Por Mario Fonseca *

Sergio Moro - Foto: Lula Marques/AGPT/Fotos Públicas

Tal plano foi concebido fora, mas tem sido encabeçado em terras tupiniquins por setores hegemônicos dentro da burocracia estatal – Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal -, pela mídia empresarial (Globo à frente) e pela direita partidária tradicional, que polarizou o centro, mas que agora perde a primazia como polo para uma nova extrema-direita de matriz fascista que emergiu de suas entranhas, haja vista os resultados eleitorais para a presidência e o legislativo.

Portanto, Moro não pode ser caracterizado como mero oportunista fisiológico que fez o que fez só visando a uma boquinha num futuro governo de direita ou de extrema-direita. Ele tão somente assume agora publicamente o que sempre foi, um agente político, só que antes atuava apenas sob a toga. O fato do general Mourão, vice-presidente eleito, revelar que Moro foi convidado para tal função ainda na campanha, só revela o que muitos de nós já sabíamos ou intuíamos, e denunciávamos.

Claro, pedagogicamente, isso nos ajuda a explicar ao povo porque o togado midiático de Curitiba cometeu tantos abusos e arbitrariedades, contando para tanto com a caixa de ressonância da grande mídia e tendo a maioria do STF como leal guardiã de seus atropelos à Constituição Federal. Sim, ajuda a explicar porque Moro liberou a delação de Palocci em pleno calor da disputa eleitoral, porque condenou Lula sem provas, decretou sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença na segunda instância e interrompeu suas férias para agir ilegalmente como carcereiro, impedindo que uma ordem de Habeas Corpus a favor do ex-presidente fosse devidamente cumprida.

Moro e os setores dominantes da burocracia estatal, poderes e organismos compostos sem o voto popular, agiram sempre de acordo com o "timing" da política, mormente para impedir Lula de ser candidato ou de, solto, percorrer o país falando diretamente ao povo, nos palanques, dando entrevistas e articulando politicamente, ou seja, de exercer, ainda que parcialmente, o seu papel como liderança . "Timing" antes também observado, rememoremos, quando da gravação e divulgação das conversas ao telefone entre Lula e Dilma (expediente ilegal em se tratando da presidenta da República), que não evidenciavam nada demais a não ser a correta constatação do de que o STF se acovardou, para impedir naquele mesmo dia a posse de Lula como ministro-chefe da Casa Civil.

Confirma-se aquilo que muitos de nós falávamos sobre a Lava Jato não ser apenas partidarizada, mas sim um verdadeiro partido atuando em favor de interesses econômicos e financeiros da classe dominante estadunidense para desmantelar setores estratégicos da economia nacional, estatais e privados (Petrobras, indústrias de engenharia pesada, de defesa e da carne), e que agora, para surpresa de muitos que esperavam a conclusão do golpe via eleição de um quadro da direita tradicional, assume o centro do poder com Moro e com o subproduto mais fétido desse processo todo, que foi guindar ao principal posto do país um fantoche tosco que mal consegue formular um raciocínio, que não teve capacidade sequer de ir aos debates defender ou que fosse tergiversar sobre o programa com o qual está comprometido, que teve o apoio de uma indústria milionária de fake news montada via Caixa 2 e que se comunica por meio de memes, frases feitas, berros, xingamentos, ameaças e verborragias preconceituosas.

Alçar Moro ao cargo de Ministro da Justiça e da Segurança Pública evidencia a consolidação do golpe em sua forma mais ameaçadora. Bolsonaro, Moro e Guedes, com o suporte de uma escumalha barra-pesada da política, bem como beneficiados pela unidade que o bloco do golpe – com Globo e a maior parte da direita tradicional, inclusive – consegue manter em torno da agenda ultraliberal colocada em prática de forma acelerada desde a posse do usurpador Temer, serão os comandantes da execução do plano neocolonial das classes dominantes dos EUA, respaldado pelas classes dominantes locais apátridas, subservientes e escravocratas.

A atual fase imperialista do capitalismo se distingue das etapas passadas pelo desenvolvimento desigual entre as nações, segundo Lênin. Trotsky ainda agregava: desenvolvimento desigual e combinado. A negação do direito ao desenvolvimento autônomo é feita pelas potências centrais, sobretudo pelos EUA, epicentro do sistema, pelo colonialismo, invadindo militarmente e negando independência política, ou pelo neocolonialismo, inviabilizando economicamente países com potencial de desenvolvimento, mas sem intervenção militar externa direta, mantendo-lhes em situação de aparente independência política. No caso do Brasil, os falcões já contam com os braços armados da grande mídia, das instituições políticas empalmadas pela direita e pela extrema-direita e por uma burguesia que jamais teve um projeto de nação independente.

Pois bem, vem aí, de modo ainda mais agressivo, um avassalador processo entreguista e de alinhamento geopolítico do Brasil aos interesses da superpotência capitalista do Norte, para colocar a pá de cal nas políticas de fortalecimento das relações Sul-Sul e de integração regional, que tanta ampliaram o comércio exterior e o papel político externo altivo do Brasil. Vem aí, ainda mais violenta, uma avalanche de supressão de direitos sociais historicamente conquistados sob o custo de muita luta. O povo brasileiro, não tenhamos dúvida, reagirá contra isso. E é aqui que entra em ação a figura de Sergio Moro como ministro, que será responsável por dar formas ainda mais duras ao braço forte da repressão contra a resistência que se erguerá. Por isso já arquitetam estruturas de poder para destruir as liberdades democráticas, visando a conter a resistência popular que se erguerá. Não se espantem se aqui nos trópicos, guardadas as devidas proporções, recriarem [sob o comando de Moro] forças similares à SS, à SA e à Gestapo, a temida polícia política nazista. [Aliás, no caso da PF, basta consolidá-la, se possível de direito, como polícia política].

Povo na rua, nas manifestações, nas festas populares e nas diversas formas de preenchimento dos espaços públicos; sindicatos, entidades estudantis, movimentos sociais tradicionais ou novos, partidos populares e democráticos; universidades e escolas; artistas, juristas, jornalistas e religiosos que se colocarem contra as medidas anunciadas; mandatários, empresários, magistrados, membros do Ministério Público, autoridades policiais e militares democratas; trabalhadores, mulheres, negros, índios e LGBTs; e, inclusive, os que hoje apoiam, no meio político e na sociedade, mas podem com o tempo virar oposição; todos poderão virar alvos potenciais da nova velha ordem em instauração. Em casa, na rua, na sede dos partidos, dos sindicato ou dos movimento organizados, no local de estudo ou de trabalho, na rua, no palco, no fórum ou tribunal, no quartel, na igreja, nas sedes dos executivos e dos legislativos, ninguém estará seguro.

Vamos convir que nisto eles merecem parabéns, pois, pelo menos até aqui, têm nos dado um banho de estratégia e tática. Só que para executar a agenda ultraliberal de modo rápido, precisarão também ser rápidos e efetivos na prevenção e contenção dos que se levantarão contra a mesma. Mais que nunca, está na ordem no dia forjar uma ampla frente cívica, democrática, patriótica e popular, política, partidária e social, sem preconceitos ideológicos e de qualquer natureza em sua composição. Aberta, inclusive, a quem esteve, ainda que criticamente, timidamente ou indiretamente, defendendo a democracia no segundo turno, isto é, reforçando a chapa Haddad-Manuela, que a representava na eleição. Mais ainda, aberta a quem venha se desprender do lado de lá, haja vista que não será uma jornada de curto fôlego. Para tanto, arroubos hegemonistas ou ressentimentos personalistas colocados acima destas premissas significarão, senão alta traição, no mínimo alto nível de descompromisso para com o Brasil e o povo.

* Mario Fonseca, advogado e presidente do Partido Comunista do Brasil de Mato Grosso do Sul (PCdoB/MS)

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