Publicado 07/11/2018 21:53
Uma das fortes marcas do governo do presidente eleito Jair Bolsonaro que vai se formando é a presença de banqueiros. O anunciado superministro da economia Paulo Guedes comanda o rendez-vous do mundo das finanças nessa fase preparatória. Como integrante das entranhas financeiras, gente do alto escalão do sistema bancário, ele cogita entregar todo o setor do governo que cuida da economia nas mãos dos maestros do rentismo. O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Wellington Leonardo da Silva, disse, de acordo com o site Brasil de Fato, que está a caminho a "privatização do Estado", segundo ele uma ação que afeta a soberania nacional.
Por trás dessa política está a relação do Estado com a dívida pública brasileira, o mercado de títulos públicos. Como explicou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista à revista Princípios, as empresas desenvolveram estratégias ajustadas à globalização financeira. De acordo com ele, há um crescente aumento da participação dos rendimentos financeiros, do estoque de ativos financeiros, dentro das companhias. “Isso está expresso no ingurgitamento da esfera financeira, porque hoje o que dá regra à concorrência entre elas não é mais como antes da crise dos anos 1970, quando a lógica da concorrência era a expansão da empresa. Hoje é o seu protagonismo no mercado financeiro, expresso no valor das suas ações”, explica.
Wellington Leonardo da Silva, o presidente da Cofecon, lembra que a maior parte do orçamento público tem sido destinada, ao longo do tempo, para pagar juros da dívida, que nunca passou por auditoria pública e é apontada como uma via de multiplicação dos lucros do setor financeiro. "É acabar com a força do Estado e colocá-lo a serviço do rentismo, sem políticas públicas, sem direitos sociais, sem nada que esteja a serviço dos interesses da sociedade e do povo. O que eles querem é, cada vez mais, atuar, como já fazem há muito tempo, como abutres em cima dos recursos públicos do Estado brasileiro", enfatiza.
Dinâmica financeira
Além do mercado da dívida pública, o noticiário econômica informa que a equipe de Bolsonaro pensa em fusão do Banco do Brasil com o Bank of America, uma decisão em linha com os reiterados anúncios de Guedes de que no governo Bolsonaro não haverá bancos públicos. Segundo o pré-superministro, a fusão abriria a porta para o Bank of America atuar no Brasil e assim aumentar a competição no setor bancário, altamente concentrado. Ao mesmo tempo, o Banco do Brasil iria para os Estados Unidos e levaria seu expertise para lidar com o público latino.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também está na linha de tiro. Ainda durante a campanha, Bolsonaro sondou Eduardo Centola, sócio e copresidente do Banco Modal, para presidir a instituição. O banco deve contar com a participação de outros banqueiros em suas estrutura, uma medida que pode ser deduzida pelos encontros regulares de Guedes com um grupo de economistas de sua confiança, gente de alta patente no mundo financeiro. Fazem parte da lista, entre outros, Alexandre Bettamio, presidente-executivo para a América Latina do Bank of America, João Cox, presidente do conselho de administração da TIM, e Sergio Eraldo de Salles Pinto, da Bozano Investimentos (gestora de investimentos presidida por Guedes).
Ainda segundo o noticiário econômico, outros economistas do mundo financeiro que devem integrar o governo Bolsonaro são Maria Silvia Bastos Marques, presidente-executivo da Goldman Sachs no Brasil e ex-presidente do BNDES, e Roberto Campos Neto, diretor do Santander e neto do renomado economista de direita que marcou época como ideólogo da economia durante o regime militar. O herdeiro ideológico do czar econômico da ditadura é considerado um nome forte para assumir o Banco Central (BC), caso a primeira opção, o atual presidente Ilan Goldfajn, não queira permanecer no cargo.
Num sistema assim, comandado pela dinâmica financeira, o setor de administração da economia no Estado passa a ser o ponto forte do governo. Esses personagens são porta-vozes de interesses gigantescos, que movimentam recursos numa escala inimaginável, extraídos de juros escorchantes — como dizia o ex-presidente Itamar Franco, um obcecado pelo combate aos altos juros no Brasil — do tomador, que se se multiplicam num piscar de olhos no mercado dos títulos públicos, também corrigidos numa velocidade estonteante pelos mecanismos rentistas do Estado, tutelados pela famigerada Selic do Banco Central.
Lucros extraordinários
No Brasil, esse mercado é controlado com mão de ferro pelos bancos que dominam o setor. Por meio de privatizações, fusões e aquisições, esses banqueiros formaram um cartel, processo que se iniciou com a reestruturação implementada no sistema financeiro na década de 1990, durante o regime neoliberal. Desde então, os lucros extraordinários do setor fazem as pessoas pensarem que basta colocar uma placa com os dizeres “aqui é um banco” para chover dinheiro. Na verdade, o setor bancário tem altos segredos — por isso, não é possível entender tudo o que se passa em suas entranhas.
Henry Ford, aquele industrial norte-americano que revolucionou a linha de produção no começo do século XX, certa vez disse que se o povo entendesse como funciona o setor financeiro haveria uma revolução antes de amanhã cedinho. “É de especial importância que ninguém se desconcerte com o fraudulento ar de mistério que cerca todas as questões relacionadas a bancos e dinheiro”, disse certa vez o economista John Kenneth Galbraith.
No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), o senador José Sarney (PMDB-AC) chegou a propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o sistema financeiro. Mas sua iniciativa esbarrou na firme decisão do Palácio do Planalto de impedir que ela fosse instalada. Seria interessante, por exemplo, saber o que a Justiça poderia fazer com os envolvidos nos casos que se arrastam desde o começo dos anos 1980, como os do Comind, do Auxiliar, do Maisonnave e do Sulbrasileiro, que até agora nada sofreram.
Gangsterismo contábil
Seria, igualmente, importante esclarecer a origem e o destino dos mais de US$ 20 bilhões que o governo FHC liberou ao Proer, salvando bancos mal administrados e com operações obscuras em carteira. Um exemplo escandaloso é o do Nacional. Os responsáveis pelo banco — entre eles uma nora de FHC — divulgaram seguidos atestados falsificados de saúde de uma instituição que na verdade estava mortinha havia dez anos. Faz muito tempo que no Brasil qualquer pessoa com algum conhecimento do setor sabe que entre as muitas maneiras de aferir o estado de um banco não consta, decididamente, o exame do balanço.
Os números grandiosos solenemente empilhados acima da assinatura de circunspectos banqueiros e com a rubrica de bem pagos auditores têm mentido compulsivamente. O que realmente espanta é que, com tantas possibilidades legais de montar balanços maravilhosamente mentirosos, os bancos recorrem ao gangsterismo contábil tão fartamente noticiado. É a certeza da impunidade.
Além da extensa ficha criminal do setor — no Brasil, criou-se a categoria de banqueiros riquíssimos que deixaram para trás um rastro de bancos quebrados —, chama a atenção que o lucro recorde dos bancos destoa da realidade da economia nacional. Isso tem explicações. Somam-se ao Proer, às privatizações e ao processo de fusões e aquisições práticas abusivas da cartelização dos serviços.