López Obrador assume o México em meio a clima de esperança

O novo presidente do país promete profundas mudanças sociais e o combate à extrema violência.

Por Murilo Matias, da CartaCapital

Lopez Obrador

A política é tempo. A frase dita pelo presidente eleito do México Andrés Manuel López Obrador na primeira entrevista após a confirmação da vitória em julho deste ano rememorava a caminhada não de uma campanha, mas de uma longa jornada de amadurecimento democrático.

O desejo de mudança no país foi tão forte que os eleitores levaram ao poder, pela primeira vez, um projeto popular e progressista. A partir deste sábado 1º, quando toma posse, Obrador terá diante de si, portanto, um desafio descomunal.

Depois de perder duas disputas presidenciais com fortes suspeitas de fraude, sobretudo em 2006, e percorrer as 2.446 cidades do país ao longo da campanha, o líder do partido Movimento de Renovação Nacional (Morena) assume ao lado do inédito gabinete paritário, oito homens e oito mulheres, conforme a composição ministerial anunciada ainda em 2017 pela coalizão Juntos Faremos História, integrada pelo Partido Encontro Social e Partido do Trabalho.

No Legislativo, a novidade é a pluralidade encarnada pela chegada de campesinos, indígenas, mulheres e jovens, entre elas a senadora Citlalli Hernández Mora, de 28 anos, a segunda mais jovem a ocupar uma cadeira no Senado.

"Tudo saiu melhor que o previsto. Ganhamos da mentira, da fraude, do dinheiro. Teremos maioria no Senado e na Câmara, vamos governar para todos, mas primeiro para os mais pobres”, afirma a senadora. “Temos alguns dos homens mais ricos do mundo e estados inteiros e populações muito carentes. O povo sempre quis mudança e agora teremos grandes discussões envolvendo a seguridade social e temas como a despenalização do aborto e da maconha”.

Para chegar à presidência com 30 milhões de votos, 53% do total, Obrador combinou movimentos de aproximação com setores do empresariado e da classe média, ao adotar o tom de conciliação, e o rechaço a partidos associados à velha política e à corrupção.

O "pasito” à direita de Obrador e o "pasito” à esquerda dos empresários renderam ao presidente o apelido Amlove durante a campanha, apesar de os opositores terem apostado no discurso do medo, a exemplo do que fizeram no Brasil os adversários de Lula.

Na outra ponta, o presidente atraiu parte majoritária do voto de protesto do eleitorado, que expressava "hartazgo" com o que muitos classificam de esgotamento da ditadura de partido único e pela corrupção que caracterizou os últimos 70 anos de hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI), com a breve alternância do Partido Ação Nacional (PAN).

A regionalização da campanha e a organização de uma estrutura territorial mostraram-se como outro acerto, ao reforçar as bases no centro e sudeste, que tradicionalmente tendiam à esquerda, e ampliar a presença no norte, próximo aos Estados Unidos e de posições majoritariamente conservadoras.

De imediato, o novo governo terá de lidar com a crise humanitária na fronteira com os Estados Unidos. Milhares de migrantes da América Central se aglomeram em Tijuana, impedidos de entrar nos EUA. O México não sabe como lidar com a questão e espera um apoio do Canadá e de países europeus. A chegada de tantos estrangeiros alimentou uma onda de xenofobia em Tijuana, que resultaram em agressões aos acampados.

No médio e longo prazo, o desafio será executar a agenda que promete retirar da pobreza metade dos 130 milhões de mexicanos. Uma das promessas é ampliar a rede de proteção aos idosos e portadores de deficiência por meio do pagamento de pensões mensais de 1,2 mil pesos mexicanos, cerca de 250 reais, o dobro do que recebem atualmente.

A medida foi adotada com sucesso por Obrador durante seu mandato como prefeito da Cidade do México, período em que inaugurou o hospital de especialidades Belisário Dominguez e abriu a Universidade Autônoma, no início dos anos 2000.

“Existe muita esperança e, se não der certo, vai ser um golpe muito forte para os mexicanos”, acredita Esau Alvear, publicitário mexicano que mora em Brasília há quatro anos.

No caso da juventude, a ênfase será na concessão de bolsas em universidades e parcerias com empresas privadas para a criação de vagas de primeiro emprego, a fim de amenizar a falta de oportunidades para 2,6 milhões de jovens que não estudam nem trabalham.

Outra preocupação são os conflitos no campo. A concentração agrária aumentou nas últimas décadas a partir da flexibilização do controle do Estado sobre quase 50% das terras produtivas. O governo Obrador promete garantir uma renda de 6 mil pesos aos agricultores familiares, que terão a meta de contribuir para a autossuficiência alimentar do país. Atualmente, o México importa dos Estados Unidos, entre outros produtos, 30% do milho que consome.

“O México nunca esteve tão perto de implementar as mudanças com compromisso social e isso só se dará com a apropriação da sociedade de todo o processo”, observa Marisa Fatima Roman, doutora em Ciências Sociais e Políticas pela Universidade Autônoma do México e habitante de Toluca, cidade de expressivo ramo automobilístico e farmacêutico, lembrada também pela grande oferta hídrica e baixos impostos.

Obrador assume um México arrasado pelas políticas neoliberais. As tarifas de energia e o preço da gasolina nunca foram tão altos. A reforma trabalhista liquidou parte dos poucos direitos existentes em um país que tem um dos mais baixos salários da região e alto índice de informalidade. As mudanças na educação, privatizantes, serão vetadas pelo atual governo, promessa de campanha.

"Enfrentei muitas reformas ao longo de 27 anos no magistério e a última foi feita sem a participação dos professores. Agora há maior contato entre o governo eleito, o sindicato e as representações para reformular o projeto educativo aprofundando os debates", acredita a professora Juana Cerda, moradora de Sao Cristobal, no estado de Chiapas, sul do México.

O país também está mergulhado em uma onda de violência sem precedentes. O tráfico de drogas domina amplos territórios mexicanos, as políticas de segurança são ineficientes, a polícia é violenta e os homicídios tornaram-se, como no Brasil, uma triste rotina.

"A cidadania preferiu a mudança, pois não via avanços nas administrações passadas. Há um dever da classe política para responder à falta de segurança, emprego, saúde e crescimento econômico", reconhece o deputado Xavier Zuniga, eleito pelo PAN, partido que deve liderar o bloco oposicionista.

A América Latina viveu ciclos parecidos na última década e meia. Na maioria dos países, após um período de prosperidade, houve retrocesso e insatisfações. Obrador tem, portanto, a possibilidade de aprender com os erros de governos progressistas. Sua principal tarefa será impedir que durante o seu mandato o medo derrote a esperança.