Publicado 17/12/2018 22:26
Não é de hoje que se fala dos escandalosos lucros dos bancos no Brasil. Mesmo com a relativa baixa da taxa Selic, as instituições financeiras mantém o spread — a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e o quanto cobra para emprestar o mesmo dinheiro — em patamares fora da realidade. Dados do Banco Mundial de 2016 apontam que o Brasil tem a segunda maior taxa de spread do mundo, perdendo apenas para Madagascar. O setor tenta justificar essa distorção alegando que ela se deve à elevada inadimplência, quando, segundo o Banco Mundial, a taxa média no mundo foi de 3,92%, enquanto a brasileira ficou um pouco abaixo, em 3,9%.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também tem estudos que indicam abusos de juros bancários no Brasil. Um deles mostra que o empréstimo para pessoa física chega a custar dez vezes mais do que em uma agência europeia do mesmo banco. No caso de pessoa jurídica, o brasileiro tem que pagar quatro vezes pelo empréstimo em relação ao valor cobrado nos Estados Unidos e na chamada Zona do Euro.
Voz isolada
O Brasil convive com a anomalia de uma agiotagem financeira oficializada, dirigida pelo Banco Central, alimentada pela indexação de juros instituída em 1964 — TR, TJLP, TBF, CDB, CDI, over, spread, Selic etc. A Assembleia Nacional Constituinte de 1988 pretendeu corrigir a anomalia existente estipulando juros máximos, para qualquer modalidade, de 12% ao ano, como era antes de 1964. Mas o poder obtido pela direita com o Plano Real passou por cima do espírito da Constituição.
O governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) abriu as portas para a transferência brutal de recursos públicos para os bancos ao adotar a constante elevação dos juros como esteio da política de “estabilidade” da moeda. A Medida Provisória que instituiu o Plano Real anunciou o ''Fundo de Amortização da Dívida Mobiliária Federal'', o embrião do superávit primário que até hoje inferniza a vida brasileira. Os neoliberais venderam ações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e cortaram despesas orçamentárias para formar o ''Fundo de Estabilização Fiscal''.
Antevendo o estrago que a turma de FHC promoveria, o então presidente da República, Itamar Franco, que nunca foi o paspalhão que a mídia tentou pintar, pediu ao Congresso Nacional que agilizasse a regulamentação do artigo da Constituição que determina o limite de 12% ao ano para a taxa de juros. Ele, no entanto, era quase uma voz isolada no país. Mas logo se veria que sua preocupação tinha razão de ser — no primeiro dia útil do Real, a taxa de juros, puxada pelo Banco Central, disparou, chegando aos 12%. Um ano depois, já estava em 60%.
Transferência de riquezas
Marcos Cintra, outro economista de renome, disse em artigo há algum tempo publicado no jornal Diário do Grande ABC, que um dos principais problemas do Brasil são os escandalosos spreads cobrados pelos bancos. “Através deles ocorre uma absurda transferência de riqueza das empresas e dos trabalhadores para o setor financeiro”, escreveu. Segundo ele, nada justifica o Brasil ter um dos maiores spreads do mundo. “Em média os bancos pagam 12,6% quando um investidor faz uma aplicação e cobram 43,2% quando emprestam aos seus clientes. Quando o spread se refere apenas às pessoas físicas ele é superior a 45 pontos percentuais”, disse.
O economista afirmou ainda que o problema do custo do dinheiro no Brasil era equivocadamente focado quase que exclusivamente na redução da taxa Selic. “Porém, gradualmente os analistas perceberam que os juros que sufocam a economia brasileira são os aplicados ao tomador final. Para as empresas as taxas anuais ultrapassam 38% para o financiamento do capital de giro, 45% no desconto de duplicatas e 76% na conta garantida. Para as pessoas físicas superam 60% no crédito pessoal e 175% no cheque especial. Ou seja: os bancos multiplicam a Selic de três a catorze vezes quando emprestam para seus clientes”, escreveu.
Resumo da ópera
Há ainda o abuso tarifário. Uma das propriedades do mercado financeiro brasileiro é oferecer liberdade para que os bancos decidam quanto irão cobrar sobre cada tarifa — e, inclusive, decidir quais serão as tarifas existentes. Há algum tempo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) disse que há desconfiança de que os bancos brasileiros agem como um cartel na hora de estabelecer o preço de tarifas. O Banco Central, que deveria pôr freio nessa farra — a instituição controla com exclusividade a Casa da Moeda (emissão de dinheiro), a entrada e saída de capitais, o câmbio, o juro, o balanço de pagamento das contas externas, entre outras atribuições —, na prática finge que nada vê.
O cidadão Jonathan Teixeira resumiu a ópera ao revelar como funciona a farra financeira, em carta publicada no ''Painel do Leitor'' do jornal Folha de S. Paulo no dia 26 de agosto 2002. ''Deixa eu ver se entendi: os bancos pegam meu dinheiro, que pagam quando muito a 6%, e emprestam a 12% para os exportadores. Os exportadores, em vez de produzir, exportar e gerar empregos, emprestam o meu dinheiro para o governo a 25% e embolsam a diferença. O governo paga a eles com o meu dinheiro, dos meus impostos, e isso não é ilegal?!'', escreveu.