A caça aos comunistas da burocracia

Dois aspectos chamaram atenção nos dez primeiros dias de governo: os recuos constantes de decisões anunciadas e a obsessão em eliminar a ideologia de esquerda dos quadros administrativos do Estado.

Por Juliana Diniz*

Bolsonaro - AFP

Analistas mais alarmados atribuem os desastrados recuos à uma estratégia de guerrilha ideológica: o governo estaria ocupado em divulgar decisões polêmicas apenas para desorganizar a oposição, criando um clima de histeria que dificultaria a reação contra decisões mais importantes, que acontecem no subterrâneo. A tática de criar "cortinas de fumaça" para distrair o inimigo.

É uma explicação engenhosa para um problema mais simplório. A oposição tem oferecido pouco risco político, desnorteada no processo de se articular como bloco partidário. Não mereceria tanta energia do governo recém-empossado nem o risco do desgaste com a opinião pública. Por mais lamentável que pareça, o vai e vem das decisões do governo se deve apenas à miséria do despreparo dos gestores escolhidos para governar. A prioridade é outra, a caça aos comunistas escondidos nos gabinetes públicos: antes de oferecer propostas, convém aos eleitos "despetizar" a República.

O movimento não é novo: na década de 50 do século XX, o senador Joseph McCarthy causou pânico e dificultou carreiras com sua cruzada anticomunista nos EUA. O objetivo era limpar a sociedade e o governo americanos de comunistas infiltrados. Políticos, professores e artistas foram atingidos pelas famigeradas listas de McCarthy: nem a genialidade de Charles Chaplin foi perdoada. Desde então o termo macarthismo entrou para os dicionários de política como sinônimo de denuncismo.

A paranoia costuma ter um custo político alto. A força de Joseph McCarthy foi minada quando a opinião pública americana se deu conta de que o fantasma da espionagem soviética era irreal. A camisa vermelha do vizinho era, afinal, apenas a camisa vermelha do vizinho. Por enquanto, a maior consequência da revisitação do macarthismo no Brasil tem sido a paralisia do governo na forma de apagão administrativo que se torna evidente a cada recuo. As demissões em massa de quadros técnicos mostraram que não é a ideologia que faz a máquina operar, mas um complexo savoir-faire burocrático. Um conhecimento que os vídeos dos gurus da nova era não parecem ser capazes de ensinar.