Decreto de Bolsonaro é criticado até por grupos pró-armas

Matéria da revista Carta Capital apurou junto a diferentes fontes que o afrouxamento nos requisitos para registro abre espaço para arsenal ilimitado, corrupção policial e explosão na taxa de acidentes domésticos

O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta terça-feira 15 o decreto que facilita a posse de armas de fogo. Na prática, a canetada derruba as exigências de comprovar a efetiva necessidade se ter um armamento, previstas pelo Estatuto do Desarmamento.

A partir de agora, qualquer adulto de ficha limpa e sem histórico de doenças mentais que consiga empunhar uma arma pode ter até quatro delas em casa ou em sua loja, salão de beleza, lanchonete, açougue, oficina mecânica ou qualquer tipo de comércio. Ou indústria.

Estão liberados revólveres, pistolas, espingardas, rifles ou carabinas. Fuzis e metralhadoras (ainda) não. Quem recebe o registro só terá que se preocupar em renová-lo daqui a dez anos, ao invés dos cinco anos previstos anteriores.

As mudanças valem para qualquer estado cuja taxa de homicídios seja maior que 10 a cada 100 mil habitantes. Ou seja: para todo o Brasil. O único estado que corre algum risco de ficar de fora dessa farra bélica é São Paulo, cuja taxa fica em 10,9 (dados de 2016).

Criticado pela oposição e por ONGs contra a violência, o texto foi considerado confuso até mesmo por grupos que fazem lobby pró-armas.

Confira os pontos ainda mal explicados:

Seis pontos mal explicados no decreto pró-armas de Bolsonaro

1. Proteção infantil

A proteção contra acidentes domésticos fica atrelada a um critério pouco efetivo. Na hora em que fizer o pedido, o cidadão terá que informar se tem crianças ou pessoa com deficiência mental em casa. Isto posto, basta declarar que possui cofre ou um ‘lugar seguro com tranca’ para guardar as armas. Vale a palavra do requerente.

Caso a Polícia Federal resolva ir ao local checar se o tal cofre ou gaveta existe mesmo, o responsável fica sujeito a pena de 1 ou dois anos e multa.

2. Arsenal ilimitado

Cada cidadão terá o direito de adquirir até quatro armas, mas pode multiplicar esse número desde que alegue “efetiva necessidade” no momento do registro. “Tendo em vista o número de propriedades rurais, por exemplo”, disse Bolsonaro depois da canetada. Uma família com quatro adultos poderá ter um arsenal de fazer inveja a delegacias.

3. Cadastro de armas ilegais

Quem tinha o registro prestes a vencer ganhou uma espécie de anistia. O decreto renova automaticamente a validade dessa autorização por dez anos. Não houve qualquer menção a um ‘pente fino’ para saber se essas pessoas se envolveram com crime ou outra questão que possa derrubar o registro.

4. Corrupção policial

No discurso pós-assinatura, Bolsonaro diz que sugeriu a Moro que abrisse convênios com as polícias Civil e Militar para dar conta da provável explosão nos pedidos de registro. Abre-se aí um perigoso precedente para a corrupção policial.

Uma pistola importada de marcas como Glock e Sig Sauer, por exemplo, ultrapassa facilmente a casa dos 20 mil reais. Com pleno acesso ao endereço e outros dados do portador, um oficial desonesto poderia ‘cantar a pedra’ a assaltantes ou milicianos interessados em aumentar o arsenal.

5. Posse ambulante

Ficam autorizados a ter armas ” titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais”. Mas o texto não faz qualquer menção a locais de comércio itinerantes, como um food truck. Ou até mesmo uma van escolar ou um carro do Uber.

6. Vínculo com grupos criminosos

Um das brechas para a negar ou cancelar o registro de posse é descobrir que o requerente ‘mantém vínculo com grupos criminosos’. O decreto não explica como o governo faria essa triagem. Como a pessoa deve ter ficha zerada de antecedentes criminais, esse critério fica refém da subjetividade. Movimentos sociais podem estar vulneráveis.

Bolsonaro já falou várias vezes em caracterizar MST, MTST e outros movimentos sociais como grupos criminosos. Um post ou simples curtida no Facebook poderia caracterizar vínculo?

Fonte: Carta Capital