Tosco, antiquado e amador: Uma análise do logo do governo Bolsonaro

Matéria de Tiago Dias, publicada nesta quinta-feira (17) no sub-site de reportagens exclusivas TAB, do portal UOL, traz a opinião de especialistas em design gráfico e comunicação sobre a identidade visual do governo Bolsonaro. A maioria dos profissionais consultados apontou problemas estéticos e conceituais no logotipo, entre eles o fato da marca ser desleixada graficamente, antiga, mal estruturada e usar fonte grátis do Google.

logo tosco

A identidade visual foi divulgada pelo próprio presidente por meio de um vídeo publicado nas redes sociais. Uma bandeira tremulando ao vento aparece ao fundo, enquanto o texto na tela afirma que os brasileiros não foram às urnas apenas para escolher um novo presidente, mas principalmente para "resgatar" um país "sem corrupção, sem impunidade, sem doutrinação nas escolas e sem a erotização de nossas crianças". No fim, o logo surge na tela com a voz de uma criança cantarolando o verso que encerra o Hino Nacional – e que agora é o slogan do governo: "Pátria Amada Brasil".

Para o professor de comunicação e semiótica Wilson Roberto Vieira Ferreira, doutorando em meios e procedimentos audiovisuais na USP (Universidade de São Paulo), a primeira mensagem a ser captada, seja na estética do logo ou no discurso que aponta um "inimigo" a ser superado, é uma só: "O Bolsonaro ainda não saiu do palanque. A estratégia continua sendo eleitoral", afirma.

Os designers ouvidos pelo TAB afirmam que a simplicidade do logo dialoga facilmente nas redes sociais, principal palco do embate eleitoral de 2018 e agora canal de comunicação oficial do presidente. Mas há quem considere que, se esse conceito cabia para a campanha, agora a comunicação deveria ser diferente. "Agora eles são governo, deveria mais institucional. Se for uma escolha deliberada por uma estética mais tosca, é um erro. Pode ser uma limitação. Não deve ser uma equipe de experts", afirma o designer Rafael Bessa, especializado em identidade visual e design digital. "O excesso de sombras e degradês não ajuda, dando um ar de "banco de imagens" ao logo", concorda Leo Porto, designer da consultoria americana Collins.

Para Wilson Ferreira, a era Bolsonaro chega com uma identidade mais quadrada e cheia de degradês. Segundo ele, a marca carrega o mesmo gosto retrô que a da gestão Temer. A estética escolhida privilegia a perspectiva "contra plongée" (de baixo para cima), "uma estética visual de propaganda política clássica", aponta o professor, citando as propagandas veiculadas durante o governo militar brasileiro. "Você observa, debaixo para cima, que a bandeira está acima de tudo, com essa coisa de idealismo e força. Embaixo há uma sugestão de que é, digamos, um horizonte, a terra, e a bandeira está nascendo sobre o Brasil. Tem uma coisa meio messiânica, para não dizer até religioso", comenta. 

Copiando Obama

Os designers apontam uma referência clara. A ideia do sol pega carona na mensagem de esperança que transformou em ícone a campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos em 2008. A ideia de um "alvorecer" foi um divisor de águas no uso do design em campanhas políticas e, posteriormente, serviu de "inspiração" para a campanha do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan que, ao contrário do progressista Obama, faz um governo autoritário de extrema-direita, como o de Bolsonaro. 

Desenvolvida pelo designer Sol Sender, da VSA Partners, a identidade visual da campanha do americano ficou mundialmente conhecida como inovadora. Para a versão de Obama, Sender apropria-se do minimalismo, linguagem rara na política, com o mesmo sol atrás de uma colina, representando renovação, narrativa que invadia o discurso político do então candidato. 

Problemas técnicos

Na versão de Bolsonaro, a delicadeza dos traços e cores é trocada por um uso exacerbado do verde e amarelo em posições confusas. Ao preservar a orientação de nossa bandeira, os designers criam um sol azul e um céu verde.

A tipografia também chama atenção. A fonte usada é a Signika, do conjunto de fontes grátis do Google, destinadas a projetos de sinalização de espaços e não necessariamente a marcas.

O designer Leo Porto aponta problemas de alinhamento e espaçamento de letras e linhas com o uso da fonte Signika. "Acredito que a generalidade do símbolo e a execução desleixada da marca representam um pouco a visão deste governo em relação à cultura de design", observa.

Para o designer gráfico Felipe Sabatini, a escolha de uma fonte genérica anda na contramão de tendências mundiais. "Cada vez mais, empresas e instituições buscam desenhos de fontes exclusivos para suas marcas. Uma tipografia genérica e gratuita, usada sem interferência no seu desenho, aumenta o risco de se perderem elementos da marca para outras que adotem o mesmo recurso".

Em artigo na Folha de S. Paulo, Sabatini argumenta que "apesar de tais escolhas levarem a nova marca Brasil para um caminho genérico, o maior problema são questões técnicas. A construção pouco horizontal desfavorece a assinatura “Governo Federal”, que vai acabar desaparecendo quando a identidade precisar ser reduzida".

Outro grande problema são as cores. Os gradientes com variações de tons são de difícil reprodução na impressão, o que pode fazer a marca perder identidade e fidelidade no seu uso.

Mas talvez o equívoco mais simbólico esteja no desequilíbrio na marca causado pela má construção tipográfica da palavra “Brasil” —o espaço entre as letras está mal calculado, com buracos desnecessários, que causam perda de força na composição. Acostumados ao universo digital, os desenvolvedores parecem ter esquecido que grande parte dos usos da identidade de um país se dá no mundo impresso e físico.

A marca lembra o que ficou conhecido como “estética Bolsonaro” durante a campanha eleitoral. Apostando no populismo, o agora presidente abriu mão do movimento de profissionalização das campanhas brasileiras —e aderiu ao improviso.

O logo nasceu na Secom (Secretaria Especial de Comunicação), mas pouco se sabe das referências e direção para a criação. O TAB entrou em contato com a pasta, chefiada pelo publicitário Floriano Barbosa, ex-assessor do gabinete do filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), mas não conseguiu falar com o responsável pela criação. Segundo a porta-voz da pasta nesses primeiros dias de governo, a identidade foi criada em conjunto pela equipe a "custo zero". E isso é tudo o que o governo Bolsonaro tem a dizer sobre o assunto.

Para Sabatini, "na nova gestão, o custo de desenvolvimento e distribuição da marca é tratado como despesa e não investimento. E nem a boa apropriação das plataformas digitais impede que a primeira imagem desse governo seja antiga, repetitiva e mal estruturada."

Repercussão ruim nas redes

Nas redes sociais, também não faltaram críticas — e piadas — com o logotipo:

As piadas não esqueceram de Queiroz, o ex-assessor:

Também não demoraram para surgir paródias mais incisivas, como essa que mistura as cores da bandeira brasileira com as da bandeira norte-americana numa crítica ao comportamento subserviente que a gestão Bolsonaro tem tido em relação aos Estados Unidos.

Nesta semana, logo após  a divulgação do decreto que flexibiliza a posse de armas, viralizou nas redes uma edição mais agressiva do logotipo da gestão Bolsonaro: