Governo elenca como prioridade a educação domiciliar, vetada pelo STF

Em setembro de 2018, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o ensino domiciliar, dado em casa, não pode ser considerado um meio lícito para que pais garantam aos filhos o acesso à educação, devido à falta de uma lei que o regulamente. Mesmo assim, o governo Bolsonaro afirma que pretende implantar esta modalidade de ensino no Brasil nos próximos meses

Supremo decide pelo fim da contribuição sindical obrigatória - Carlos Moura/SCO/STF

O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), apresentou nesta quarta-feira (23) 35 metas nacionais tratadas como prioritárias para os 100 primeiros dias do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Desde o início da atual gestão, os 22 ministros têm se reunido às terças-feiras com Bolsonaro para debater temas e apresentar o que consideram ser mais importante sem suas pastas. Cada um, então, teve de entregar objetivos a serem buscados até o terceiro mês e meio de governo. Os únicos que não apresentaram metas prioritárias, segundo documento divulgado pela Casa Civil, que organiza a iniciativa, foram o Ministério da Defesa, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e a própria Casa Civil.

A lista deixa de fora bandeiras centrais da agenda liberal do governo como as reformas da Previdência e Tributária, mas inclui ações absolutamente irrelevantes como mudar o desenho que estampa a capa dos passaportes brasileiros.

Também estão inclusas entre as 35 ações prioritárias, metas genéricas como "redução da máquina administrativa" e até demandas já negadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como é o caso da educação domiciliar.

Na lista de 35 ações divulgada por Onyx, a regulamentação do ensino domiciliar está elencado como uma tarefa do ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Pela lógica, o assunto deveria estar vinculado à pasta da Educação. Mas uma breve espiada nos comentários que o anúncio da medida recebeu na página da entidade que mais defende esta proposta, nos dá uma ideia do motivo pelo qual a tarefa ficou nas mãos da ministra evangélica Damares Alves e a motivação religiosa por trás da defesa do ensino domiciliar. 

STF vetou aplicação do ensino em casa

Em setembro de 2018, o STF decidiu que o ensino domiciliar, dado em casa, não pode ser considerado um meio lícito para que pais garantam aos filhos o acesso à educação, devido à falta de uma lei que o regulamente. Somente o relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela legalidade do ensino domiciliar, conhecido como “homeschooling”, desde que submetido a condições que ele propôs fixar até que o Congresso legislasse sobre o tema.

Alexandre de Moraes abriu a divergência e foi acompanhado por sete ministros: Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Eles consideraram que, para que a opção pelo ensino em casa fosse válida, teria de estar prevista em lei.

Desse grupo, Fux e Lewandowski foram além: para eles, o “homeschooling” seria inconstitucional mesmo que houvesse lei para regulamentá-lo. Já Edson Fachin divergiu parcialmente, e propôs dar um ano para o Congresso legislar sobre o assunto, mas foi vencido. Celso de Mello não participou da sessão.

Em todos os posicionamentos, o processo legislativo que viria a regulamentar o ensino domiciliar levaria muito mais tempo do que os 100 dias definidos pelo governo Bolsonaro para colocar a ideia em prática. Caso resolvam regulamentar a questão por Medida Provisória, o assunto fatalmente será judicializado já que as MPs só se justificam em casos onde há evidente relevância e urgência, o que definitivamente não é caso do ensino domiciliar.

A discussão no Supremo teve origem em uma ação que opôs o município de Canela, no Rio Grande do Sul, a pais que queriam educar a filha em casa. A família foi à Justiça após a Secretaria de Educação do município negar um pedido para que a menina, à época com 11 anos, tivesse aulas em casa.

Decisões nas instâncias inferiores foram contrárias ao ensino domiciliar, o que levou os pais a recorrerem ao Supremo em 2015. A corte reconheceu a repercussão geral do recurso, o que significa que o resultado do julgamento passa a valer para processos semelhantes em todo o país.

Em seu voto, proferido na última quinta (6), Barroso considerou que essa modalidade de ensino teria de atender a algumas condições. Por sua proposta, os pais teriam de notificar as secretarias municipais de Educação para que houvesse um cadastro das crianças que estudam em casa. E elas deveriam ser submetidas às mesmas avaliações a que se submetem os alunos de escolas públicas ou privadas.

Barroso disse, em resposta à Procuradoria-Geral da República, contrária ao recurso, que reconhecia a importância da escola na socialização, mas sustentou que crianças que estudam em casa não vivem apartadas do mundo —podem socializar no clube ou na igreja, por exemplo.

Os colegas que sucederam o relator, porém, entenderam que não cabe ao Judiciário criar tal regulamentação, de alçada do Legislativo. “Nós teríamos que alocar professores para cuidar do ‘homeschooling’ quando faltam professores para as escolas. Isso não teria que ser uma decisão nossa [do Judiciário]”, disse Gilmar.

“A importação de experiências estrangeiras, distantes a mais não poder da realidade nacional, ao arrepio da legislação em pleno vigor, contradiz todo o esforço empreendido pela sociedade brasileira na busca progressiva pelo acesso à educação formal no país”, afirmou Marco Aurélio.

Lewandowski destacou a importância da escola para a convivência com a diversidade. “Quando se formam bolhas nas quais ecoam as mesmas ideias, o que é comum nas redes sociais, o entendimento mútuo se torna cada vez mais difícil, contribuindo para a fragmentação da sociedade, para a polarização e para o extremismo”, disse.

Da redação, com agências