Exílio de Jean Wyllys desperta consciências em defesa da democracia

Há uma unanimidade entre os que compõem a parte sensata do mundo político — e isso inclui desde o governador Flávio Dino até o vice-presidente Hamilton Mourão, passando por Rodrigo Maia e Ciro Gomes — todos eles concordam que a decisão do deputado Jean Wyllys de se auto-exilar e abdicar do mandato é um sintoma de que a democracia brasileira está sob risco e precisa ser defendida.

passaros arame

O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) abriu mão de seu terceiro mandato na Câmara dos Deputados e optou pelo auto-exílio como forma de manter-se vivo e poder viver com alguma liberdade, sem ser hostilizado nas ruas. Há anos Jean tem sido alvo de ameaças, agressões e ataques à sua reputação.

O drama de Jean tem duas dimensões: a dimensão humana, do drama pessoal; e a dimensão política, do drama coletivo.

Dimensão pessoal

O drama pessoal de Jean não é mi mi mi (como gostam de dizer seus inimigos da extrema-direita raivosa). Desde que assumiu o mandato em 2011 como único deputado declaradamente gay e defensor das causas LGBTs, Jean vem sendo alvo sistemático de ataques de grupos conservadores. Ataques pesados. Uma enxurrada de fake news são lançadas contra ele o tempo todo nas redes sociais. Mentiras que vão desde acusá-lo de promover a pedofilia até insinuar que ele seria autor de leis para mudar o texto da Bíblia. As duas mais recentes foram lançada hoje (25). Uma sugere envolvimento de Wyllys na facada dada por Adélio Bispo no então candidato Bolsonaro a outra diz que Wyllys desistiu do mandato para fugir de investigação sobre desvio de verbas. Por mais bizarras e inacreditáveis que sejam estas mentiras, elas viralizam, se espalham, mentes doentias acreditam nelas, mentes ainda mais doentias transformam estas crenças em ameaças reais, elas vão desde agressão verbal até indicação de quando, onde e como ele será assassinado.

Com a consolidação de um ambiente protofascista no país –ao mesmo tempo que Jean passou a abraçar algumas lutas conjunturais mais incisivas como a luta contra o golpe de 2016, a denúncia da prisão política de Lula e subiu o tom nos protestos contra o avanço da extrema-direita — a partir daí as ameaças e agressões contra ele também subiram de patamar e de volume. O ambiente de intimidação obrigou Jean a buscar proteção e se recolher. Desde o assassinato da vereadora Marielle Franco, em abril de 2018, ele se viu obrigado a andar sob escolta em tempo integral. Em carta dirigida à direção do PSOL, Jean relata: "Deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime."

Na mesma carta, revela que já não é só mais ele o alvo de todo este horror. Sua mãe e seus irmãos passaram a sofrer ameaças e perseguições também. Saber que está com a vida em risco já é dramático o bastante desestabilizar qualquer um. Saber que a vida de outras pessoas também estão sob risco por causa do ódio que lhe é dirigido deve ser devastador.

Por isso, soa absolutamente desprezível colocar em dúvida a "coragem" de Jean. Insinuar que ele "arregou", que vai abandonar a luta para viver confortavelmente no exterior, que deveria ficar e enfretar os fascistas de peito aberto, mesmo correndo todos os riscos… é um julgamento não apenas injusto. É cruel. Só quem vive a experiência de ser ameaçado é que pode julgar até que ponto deve se expor e quando é hora de se recolher e garantir aquilo que é essencial a qualquer luta de resistência: estar vivo. Neste sentido, não há outra atitude digna a se tomar em relação ao Jean que não seja apoiá-lo em sua decisão e se solidarizar com seu drama pessoal.

Foi o que fizeram centenas de amigos e lideranças políticas publicamente. Entre elas, a deputada estadual Manuela D'Ávila (PCdoB-RS). Manuela e Jean são amigos e foram colegas de parlamento. Em mensagem emocionada no Facebook, Manuela se solidarizou com o deputado e mostrou empatia com o drama pessoal vivido pelo colega do PSOL: "Difícil explicar a eles por que não suportamos a pretensa segurança dos carros blindados, das escoltas. Eles não sabem como lutamos pela nossa liberdade! Como nossa existência é construída em cada vivência! Não sabem como o menino Jean “apanhou” pra brilhar e para não morrer de fome. Não sabem que, se tivermos que andar com o vidro fechado, sem tomar o vento na cara, já morremos um pouco. E não queremos morrer nada!!!", disse Manuela. E completou: "Fico feliz que agora você tenha optado por cuidar de si diante da enxurrada de ameaças que sofre. Você, corajoso como sempre, ao decidir abrir mão do mandato e sair do Brasil desnuda por todos nós, meu amigo querido, o terror em que vivemos, o ambiente fascistoide que tomou conta da sociedade brasileira."

Dimensão política

Mas como dissemos antes, há outra dimensão neste drama: a dimensão política.

Quando soube da renúncia do deputado do PSOL ao mandato, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, emitiu nota na qual afirma: "Mesmo estando em posições divergentes no campo das ideias, reconheço a importância do seu mandato. Nenhum parlamentar pode se sentir ameaçado, ninguém pode ameaçar um deputado federal e sentir-se impune". A nota de Maia separa bem os campos: as diferenças de opinião não podem justificar o desrespeito aos direitos fundamentais existentes em uma democracia.

Dezenas de outras lideranças políticas relevaram as diferenças ideológicas e também se solidarizaram com Jean, muitas delas destacando que a situação exige resposta das instituições democráticas, sob o risco de haver uma degeneração do ambiente político. Não é de menor importância o fato de que com o exílio de Jean perde-se um mandato combativo e importante para a luta democrática e em defesa dos direitos sociais e das minorias.

Até mesmo o direitista general Hamilton Mourão, hoje vice-presidente, compreendeu a gravidade da situação. Em declarações à imprensa, o vice ressaltou que ameaças a parlamentares são crimes contra a democracia. “Eu acho que quem ameaça parlamentar está cometendo um crime contra a democracia, porque uma das coisas mais importantes é você ter sua opinião e ter liberdade para expressar sua opinião. Os parlamentares estão ali eleitos pelo voto, representam os cidadãos que votaram nele", disse.

Mourão também cobrou detalhes sobre as ameaças. Talvez tenha lhe escapado a informação de que Jean encaminhou dezenas de denúncias à Polícia Federal e ingressou com um processo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) pedindo proteção e relatando os casos mais graves de ameaças e intimidação que vinha sofrendo. 

Este ponto tem que ser destacado. Jean procurou nas instituições a proteção que o estado democrático de direito lhe garante e não obteve respostas satisfatórias. Recorreu à Polícia Federal e foi ignorado. Nenhuma investigação avançou. Recorreu à OEA, que cobrou atitude do Brasil, e o governo brasileiro respondeu com uma declaração maliciosa insinuando que nada de errado estava acontecendo.

Mais grave que a omissão dos órgão públicos, foi a reação do presidente Jair Bolsonaro. Ao saber da decisão de Jean de deixar o país, o ex-capitão correu para o Twitter e registrou que aquele era um "Grande Dia!". Seus filhos seguiram o pai na "comemoração" em tom jocoso com mensagens cifradas nas redes sociais. Nenhum deles teve coragem de assumir que estava debochando do caso. Detalhe importantíssimo: um dos filhos de Bolsonaro está sendo apontado como parceiro da milícia suspeita de ter assassinado Marielle Franco. Recentemente, foi descoberto um plano de milicianos do Rio para assassinar o deputado Marcelo Freixo (PSOL).

Também pelo Twitter, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), deu um puxão de orelha no presidente e ensinou-lhe uma lição: "Se estivesse na minha esfera de decisão, em vez de 'piadas' ou 'comemorações', chamaria o deputado Jean Wyllys e ofereceria as garantias possíveis. Seria o correto, em respeito a ele, aos seus eleitores e à democracia representativa assegurada pela Constituição", afirmou o governador.

Dino foi, como lhe é peculiar, diplomático. Bolsonaro merecia repúdio ainda mais incisivo. Afinal, por trás da atitude do titular do Planalto não houve apenas descaso, pilhéria e covardia. Os tuítes calhordas e infantis de Bolsonaro e sua trupe flertam com o Estado de Exceção. E isso é grave. Gravíssimo.

Aceno à resistência

Alguns avaliam que a decisão de Jean amedronta a militância e desencoraja a resistência democrática. Falso. O exílio autoproclamado de Wyllys é muito mais uma denúncia do autoritarismo do que um anúncio de fuga. Ele despertou consciências para a necessidade de defesa mais enfática da democracia. Mostrou que o ódio que transborda das redes sociais não são só bits, são carne, osso e armas também.

Jean Wyllys é o primeiro exilado político da nova era bolsonarista. Se os que prezam pela democracia não reagirem no tom devido, se a esquerda continuar com as picuinhas que atravancam sua unidade, se não reunirmos vozes suficientes para gritar "Chega!", Jean pode ser o primeiro de muitos.

Da redação do portal Vermelho