Publicado 20/02/2019 19:28
O primeiro fundo de pensão que se tem notícia foi criado nos Estados Unidos em 1759 e funcionava para garantir o sustento das viúvas e dos filhos de pastores presbiterianos que faleciam. Mais de um século depois, em 1875, a American Express Company estabeleceu um embrião do que viria a ser o plano corporativo formal. Por aquele modelo, só tinham direito a receber aposentadoria os homens acima de 60 anos, com mais de 20 anos de casa e que fossem considerados incapazes de continuar trabalhando. Mas foi depois da Segunda Guerra Mundial que a prática se tornou uma referência entre as companhias. Nesse princípio efetivo, o papel de destaque coube à General Motors. Em 1950, ela lançou as bases de seu fundo. Para aquele momento, foi uma revolução.
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O plano já era administrado por profissionais e o patrimônio líquido podia ser investido em ações de outras empresas. Hoje, a General Motors possui o maior fundo dos Estados Unidos, somando US$ 87 bilhões. O tamanho dos recursos é diretamente proporcional ao tamanho do problema (o que leva a crer que o tempo trabalha contra esse tipo de aposentadoria). Em 2003, o déficit chegou a US$ 19 bilhões. A empresa teve de lançar títulos no mercado e vender uma subsidiária para diminuir o rombo. Hoje, o déficit está na casa do bilhão de dólares, mas o problema continua. Para cada funcionário na ativa da General Motors, existem 2,5 aposentados.
Garantia de pé-de-meia
As notícias informam que a lista de falências influenciadas pelo desequilíbrio dos fundos de pensão é imensa. US Airways, Polaroid, TWA e Bethlehem Steel, para citar alguns exemplos, tiveram de encerrar suas atividades depois de enfrentar problemas com o gerenciamento de seus planos. Em algumas montadoras de automóveis, as primeiras a implementar esse modelo, o custo dos fundos já representa uma despesa adicional de US$ 1.300 por cada veículo fabricado. Nos outros setores, o panorama é o mesmo. Só no ano passado, as empresas norte-americanas dizem que desembolsaram quase US$ 200 bilhões por causa dos fundos de pensão.
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É tão evidente que esse modelo está sucumbindo que a quantidade de fundos à disposição dos funcionários caiu bruscamente nos últimos 20 anos. Nesse período, o número de planos de previdência administrados por empresas recuou de 113 mil para 32 mil. Mas por que o plano de previdência das empresas, antes aclamado como garantia de pé-de-meia na velhice, vem dando tão errado? E ainda por cima nos Estados Unidos? A primeira razão é conjuntural. A maioria desses fundos sofreu com trapalhadas na administração dos recursos (e não se trata aqui de considerar casos de corrupção ou desvio de dinheiro). A maioria desses gestores fez apostas que se revelaram um fiasco ao longo do tempo.
Origem estrutural
No ano 2000, um pedaço considerável dos recursos dos fundos (estimados em US$ 6,5 trilhões) ajudava a turbinar ações de empresas de internet. Com o estouro da bolha naquele ano, alguns desses fundos chegaram a perder 30% de patrimônio. Foram os casos de Ford, Boeing, DuPont e Lockheed Martin, companhias que estão hoje no ranking das dez situações mais problemáticas do país. A situação se complicou ainda mais quando o banco central norte-americano, o Fed, resolveu apostar numa política de queda dos juros. Os fundos tinham quantidades colossais de papéis atrelados a essas taxas.
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A outra razão, essa de origem estrutural, é a mesma que vem corroendo o sistema de aposentadoria em vários países: o envelhecimento acelerado da população. No caso norte-americano, a longevidade dos aposentados está impondo um peso adicional ao sistema. Na década de 1950, a expectativa de vida de um trabalhador assalariado era de 67 anos. Hoje, ela está em 76. Os cálculos anteriores previam que um aposentado viveria em média mais sete anos depois de começar a receber o benefício. Hoje, esse período está em 16 anos.
Panorama de Bush
Ou seja: os benefícios necessários para custear esse trabalhador mais que dobraram. Como a expectativa de vida continua a crescer e os índices de natalidade continuam a cair, as administrações dos fundos de previdência têm o desafio de lidar com uma discrepância cada vez maior entre o número de trabalhadores na ativa e os que estarão recebendo o benefício. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), havia em 1950 uma dúzia de pessoas na ativa para cada aposentado. Hoje, segundo os últimos dados disponíveis, essa proporção é de 9 para 1. Por volta do ano 2050, um curto espaço de tempo em termos atuariais, essa proporção será de 4,5 trabalhadores para 1 aposentado.
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Nos Estados Unidos, o tema foi abordado pelo ex-presidente George W. Bush em discurso ao Congresso dos Estados Unidos. O panorama apresentado por ele foi trágico. Segundo os dados de Bush, o sistema de seguridade social dos Estados Unidos iria à falência em 13 anos se não sofresse revisões. Para resolver o problema, Bush sugeriu a criação de contas pessoais para cada cidadão gerenciar sozinho o que ele chamou de “seu próprio pé-de-meia”.
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O assunto também é discutido no Japão, onde o governo quer reformular o sistema público de Previdência. Está em estudo um projeto de lei que aumenta os impostos sobre as pensões em 20% e reduz os benefícios em 15%. Na França, país com tradição de benefícios sociais muito forte, o governo também mexeu no vespeiro quando o ex-presidente Jacques Chirac sancionou novas leis que aumentaram o tempo de contribuição dos trabalhadores e foi duramente contestado. Será que há solução viável para essa equação sem uma redefinição do papel do Estado na economia?
Castelinho de cartas
Em artigo publicado no jornal Valor Econômico há algum tempo, intitulado “Vícios e virtudes da economia globalizada”, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo disse que diante da proximidade da insolvência dos sistemas privados de aposentadoria é lícito suspeitar que “a única reforma possível da seguridade social no mundo vai contemplar métodos muito antigos de aposentadoria: atirar os velhos ao penhasco”.
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A experiência norte-americana serve de alerta (a propósito, importantíssimo). A principal medida discutida por lá é a mesma que se discute por aqui. Ou seja: a troca do modelo de benefício definido pela contribuição definida (foi o que Bush sugeriu). Apostar na aposentadoria por esse meio é o mesmo que dar um tiro no escuro.
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No Brasil, a maior parte dos recursos dos fundos está aplicada em renda fixa. Entre 1994 e 2003, esse tipo de investimento subiu de 29% para 62% na carteira dos fundos brasileiros. Se o Banco Central (BC) mantiver a política de baixa dos juros, o castelinho de cartas dos fundos de pensão pode vir abaixo ruidosamente.