Carnaval, uma catarse política

Primeira folia da era Bolsonaro teve críticas ao presidente e Governo. Na noite de terça, ele reagiu no Twitter ao postar vídeo de homem urinando em outro quase nu e associar cena a blocos de rua.

Por Joana Oliveira, do El Pais

Carnaval Olinda - Foto: Diego Hrculano/AP

Que o Carnaval é o momento em que política, crítica social e folia se misturam pelas ruas e avenidas não é surpresa —é um costume, afinal, que remonta aos anos do Brasil Império—. Mas o de 2019, o primeiro de Jair Bolsonaro no poder, acontece após um ano eleitoral de intensa divisão, com brigas nas redes sociais e grupos de WhatsApp e o receio da perda de direitos. As ruas viveram uma catarse política. E a polarização, que marcou o pleito do ano passado, também se fez presente até pelos dedos do próprio presidente, que postou em seu perfil no Twitter uma marchinha que ironizava uma música em que Caetano Veloso e Daniela Mercury cantavam que o Carnaval estava proibido. Era uma alusão ao conservadorismo do novo Governo.

De norte a sul do país, cordões, blocos e batucadas satirizaram o presidente, seus filhos e integrantes do Governo. No Rio de janeiro, 48 cheques-laranja saíram para marchar no Cordão do Boitatá, no domingo (03/02), em referência às transações suspeitas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro. Jesus na goiabeira também saiu para pular e meninas vestiram azul e meninos, rosa, em sátiras a Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. Outro nome que caiu na boca (e nas fantasias) do povo foi o do ministro da Justiça, juiz Sérgio Moro, criticado por suas declarações contraditórias sobre o crime de caixa dois. Depois de assumir o cargo no Governo Bolsonaro, Moro atenuou a gravidade dessa prática, que, no passado, ele mesmo chegou a classificar como "pior que a corrupção" e "trapaça".

Mas o principal alvo das sátiras e deboches foi o próprio presidente. Os foliões de Olinda (PE) receberam, na segunda-feira (04/02), o boneco gigante de Bolsonaro com vaias, latas de cerveja e pedras de gelo, entoando um verso que se repetiu em outras cidades: "ai, ai, ai, Bolsonaro é o carai" —houve, no entanto, quem preferiu tirar uma selfie com o boneco, em apoio ao presidente. Em Minas Gerais, a Polícia Militar advertiu o tradicional bloco Tchanzinho Zona Norte para não criticar o presidente. O capitão Lisandro Sodré, do 13º Batalhão de Belo Horizonte afirmou à imprensa que "trios e blocos não podem incitar manifestações políticas" no Carnaval da cidade. Não foi ouvido e o grito de "Bolsonaro, vai tomar no c*" ecoou não apenas na capital mineira, como em outras cidades do país, e virou a hashtag mais popular do Twitter no domingo. Como reação, Bolsonaro criou polêmica na noite desta terça-feira, ao postar em seu Twitter o vídeo de um homem dançando quase nu no topo de um ponto de táxi, enquanto outro urinava em sua cabeça, associando a cena aos blocos de rua. "É isto que tem virado muitos blocos de rua no Carnaval brasileiro", comentou, para revolta de muitos na rede.

Os foliões também não esqueceram das fake news que marcaram as eleições de 2018. A Ursal não só virou fantasia, como se tornou bloco em Pelotas, no Rio Grande do Sul —com um samba que diz "Daciolo anunciou/ Pra este Carnaval/ Glória a Deus/ Chegou a Ursal"—, e em São Paulo. No Nordeste, Olinda tem a Ursense – União das Repúblicas Socialistas dos Estados do Nordeste, deboche com direito a camiseta vermelha com foice e martelo. Nesses blocos, o fantasma do comunismo é um dos protagonistas —outra fantasia popular nos blocos deste ano, ao lado de temas que foram hits na última eleição: kits gays e mamadeiras com bico em formato pênis também desfilaram por aí.

Das ruas para o sambódromo, escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo refletiram as críticas sociais e políticas em seus sambas-enredos. O verde e rosa da carioca Estação Primeira de Mangueira —que recontou a história do Brasil através dos heróis da resistência negra e indígena— estampou o rosto de Marielle Franco, cujo assassinato está prestes a completar um ano sem que os culpados tenham sido punidos.

Em São Paulo, a Vai-Vai, que caiu do grupo especial nesta terça, também homenageou Marielle em um enredo que contou as lutas do povo negro, com referências aos Panteras Negras, nos Estados Unidos Luyara Santos e Anielle Franco, filha e irmã de Marielle, desfilaram na escola.

A carioca Paraíso do Tuiuti, que no ano passado levou para a Sapucaí o vampirão em referência ao ex-presidente Michel Temer, ironizou de maneira discreta Jair Bolsonaro e seus seguidores: em uma das alas, os componentes estavam fantasiados de coxinhas armadas, em referência à flexibilização do porte de armas proposta pelo presidente. Já o último carro alegórico da escola trouxe frases que ironizavam falas de Bolsonaro e aliados, como "Deus acima de tudo, mas a favor da tortura" ou "Direitos humanos para humanos direitos".