A “reforma” da Previdência é um ataque frontal à Constituição

O principal argumento dos neoliberais contra a Previdência Social é o de que ela ganhou deveres sem a contrapartida em direitos. Não é verdade. O que está por trás desse argumento é a tática dos conservadores de desqualificar as bandeiras progressistas.

Por Osvaldo Bertolino

Previdência

Dizem eles que a Assembleia Nacional Constituinte atribuiu ao Estado um papel e um peso na vida do país, distribuindo direitos para todos os lados sem se preocupar com quem pagaria a fatura, no exato momento em que o “livre mercado” despontava como a salvação econômica do mundo. Os constituintes, afirmam os conservadores, não sentaram para fazer as contas e a nova Carta tornou o país ingovernável porque a experiência doméstica e internacional já tinha mostrado não ter mais sentido o termo ”Constituição Cidadã” – como proclamou o doutor Ulysses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte.

Não é por acaso, pois, que só na Câmara dos Deputados quase 2 mil emendas à Constituição tenham sido propostas desde sua entrada em vigor. O furor mudancista se explica pelo fato de que alterações, tendo em vista o timing ideológico da Constituição, é uma adaptação ao furacão neoliberal que ganhou força com a queda do Muro de Berlim. Mas esse furor certamente reflete outro fenômeno, a respeito do qual pouco se fala: ainda não há, na sociedade brasileira, um consenso sobre como devem ser as instituições. A Constituição foi escrita quando as forças direitistas sofriam os efeitos da ascensão dos movimentos progressistas que suplantaram a ditadura militar. Um ano depois, com a eleição de Fernando Collor de Mello à Presidência da República, o jogo se inverteu.

Preservação da Constituição

Desde então, a direita foi para o ataque e investe pesado contra o direito de greve, flerta com o autoritarismo partidário – a inconstitucional cláusula de barreira é o maior exemplo disso – e uma corrente fortemente representada pela mídia debocha às claras da ”democracia permissiva” aos movimentos sociais. Conviver com uma Constituição mutante é um problema. Em teoria, as constituições servem para garantir um arcabouço geral para o funcionamento dos países. São, portanto, uma espécie de alicerce sobre o qual se sustentam as demais leis. Se o alicerce é frágil, todo o corpo legal perde força. A luta pela preservação da Constituição, portanto, é uma dessas bandeiras mandatórias para o movimento progressista, inclusive pelo aspecto democrático que ela encerra.

Os motivos são reais. Para começo de conversa, a batalha reflete a disputa entre forças progressistas e conservadoras. Hoje, o principal alvo dos "reformistas" é o título da ordem social – no qual está inscrito todo o espectro da Previdência Social. É óbvio que esse “acordo social” requer a inclusão de recursos do Tesouro Nacional. Foi com base nessa premissa que a bancada de deputados do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) apresentou um projeto de lei promovendo a inclusão previdenciária dos trabalhadores do mercado informal, donas de casa, estagiários, empregados domésticos – com os respectivos incentivos para as empresas pagarem em dia as contribuições.

A questão toda se resume ao conceito de administração da macroeconomia. Sem cortar os benefícios concedidos pelo Estado, o governo terá dificuldades para manter o elevado superávit primário exigido pelos compromissos com o setor financeiro. Para cumprir esses “contratos”, o governo terá de romper o contrato social assumido pela sociedade com a Constituição de 1988. Afinal, controlar as contas de um país é o mesmo que acertar o caixa de casa: adequar a saída de recursos à entrada. E quando os gastos incham de um mês para outro, como no caso do pagamento de juros à ciranda financeira, é preciso compensar a despesa de alguma forma. É aí que entra a diferença a respeito do papel do Estado entre progressistas e conservadores.

Interesses privados

O aumento do investimento público é uma necessidade indiscutível: desde 1991, quando a “era neoliberal” ganhou impulso, esse investimento – em estradas, portos e aeroportos, por exemplo – caiu de 2,9% do PIB para 1,9%, um dos mais baixos da história. Mas ele não pode implicar em cortes sociais. É uma perversidade para a imensa maioria da sociedade. O trabalhador brasileiro deve analisar não só a aposentadoria, mas os outros benefícios que o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) oferece – como os auxílios doença e maternidade.

A arrecadação do INSS sustenta 15 milhões de aposentados. Mais da metade dos recursos arrecadados é gasta com apenas 10% dos beneficiários do sistema. O restante entra na conta dos benefícios concedidos pela Assembleia Nacional Constituinte, sob a responsabilidade do Tesouro Nacional. Diante dessa situação, a Previdência Social se inscreve como um ponto crucial da batalha de fundo entre forças progressistas e conservadoras. Afinal, são as espertas lideranças neoliberais que querem os recursos públicos a serviço exclusivo dos interesses privados.

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