China puxa o “Século Asiático”

Economia da região mostra força e cresce de forma acelerada.

Ásia

O jornal Valor Econômico reproduz matéria do Financial Times, de Londres, intitulada “Números já anunciam o ‘Século Asiático’", dando conta dos vistosos números da economia asiática. “Por décadas, especialistas previram a proximidade da era em que a Ásia seria o novo centro econômico do mundo. O continente já é lar de mais da metade da população global. Das 30 maiores cidades do planeta, 21 estão na Ásia”, afirma o texto.

A matéria diz ainda que “em 2019 os países asiáticos serão o lar de metade da classe média mundial — com renda per capita diária entre US$ 10 e US$ 100, conforme o conceito de paridade do poder de compra (PPP)”. “Já são os maiores consumidores de carros e de outros produtos elaborados. "Vivemos o que muitos denominaram o Século Asiático", disse o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, de acordo com o Financial Times.

Para fazer as contas, a publicação examinou dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o Produto Interno Bruto (PIB) incluindo ajustes para as diferenças de preço entre os países. Esse método, que avalia as economias pela PPP, é amplamente considerado o mais relevante, já que leva em conta o que as pessoas podem comprar nos países em desenvolvimento, onde os preços são normalmente mais baixos. Mesmo pelo método dos valores de mercado, a Ásia já representa 38% da produção mundial, de uma fatia de 26% no início do século.

Ponto de inflexão

O jornal inglês analisou os dados disponíveis e concluiu que as economias asiáticas, segundo a definição da Unctad, serão maiores do que o resto do mundo somado em 2020 — pela primeira vez desde o século XIX. Os números mostram que o século asiático começa no próximo ano. A Ásia era responsável por cerca de 35% da produção mundial no ano 2000.

Segundo o Financial Times, economistas, cientistas políticos e especialistas em países emergentes vêm há décadas especulando sobre a chegada da Era Asiática, o ponto de inflexão quando o continente se tornará o centro do mundo. Desde 2007, os asiáticos vêm comprando mais carros e caminhões anualmente do que os habitantes de qualquer outra região. Por volta de 2030, estarão comprando mais veículos por ano do que os de todas as outras regiões do mundo somadas, de acordo com a LMC Automotive, citada na matéria.

Líderes na região começam a falar mais abertamente sobre a mudança. "Agora, o continente se encontra no centro da atividade econômica mundial", disse o primeiro-ministro da Índia no encontro anual passado do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês). "[A Ásia] se tornou o principal motor de crescimento do mundo. Na verdade, agora estamos vivendo o que muitos denominaram o Século Asiático", afirmou.

Expansão do Vietnã

O que explica o eclipse da economia do resto do mundo pela asiática? A ascensão da China e da Índia explica boa parte dessa tendência. A China atualmente é uma economia maior que os EUA em PPP. Representa 19% da produção mundial prevista para este ano, mais do que o dobro dos 7% registrados em 2000. A Índia agora é a terceira maior economia do mundo.

Seu PIB é duas vezes maior que o da Alemanha ou do Japão, que em 2000 tinham economias maiores do que a indiana, pela PPP. A entrada iminente na Era Asiática também se explica pelo crescimento dos países menores e médios. A Indonésia caminha para ser a sétima maior economia do mundo, pela PPP, em 2020 e vai superar a Rússia como sexta maior, em 2023.

O Vietnã, uma das economias asiáticas de maior expansão, superou 17 países na classificação de economias pela PPP desde 2000, incluindo a Bélgica e a Suíça. As Filipinas agora são uma economia maior do que a Holanda, enquanto Bangladesh superou 13 outras economias nos últimos 20 anos. A recente ascensão da Ásia, que começou com o avanço do Japão no pós-guerra, representa um retorno ao padrão histórico.

Centro produtivo

A Ásia dominou a economia mundial durante a maior parte da história humana até o século XIX. "Em torno ao fim do século XVII, a Europa olhava com admiração e inveja para uma região do globo que concentrava […] mais de dois terços do PIB do mundo e três quartos da população", disse Andrea Colli, professor de história econômica na universidade de Bocconi, na Itália, citado na matéria.

No século XVIII, a participação da Índia na economia mundial era tão grande quanto a da Europa, segundo o escritor e político indiano Shashi Tharoor. Nos três séculos seguintes, o papel da Ásia no mundo foi encolhendo, à medida que as economias ocidentais decolavam, impulsionadas pelo que os acadêmicos chamam de Revolução Científica, seguida pelo Iluminismo e pela Revolução Industrial. "O que se estamos vendo agora é a grande reversão", diz Joel Mokyr, professor da Northwestern University. "Entre 1500 e 1750, a Europa mudou dramaticamente; o resto do mundo, não."

O Financial Times informa que por volta dos anos 1950, a Ásia representava menos de 20% da produção do mundo, apesar de ter mais da metade da população. "No século XIX, a Ásia transformou-se do centro produtivo do mundo em uma clássica economia subdesenvolvida, exportando commodities agrícolas", disse Bob Allen, professor de história econômica da Universidade de Nova York em Abu Dhabi.

Nas últimas décadas, entretanto, essa tendência mudou. A ascensão impressionante do Japão e da Coreia do Sul, os primeiros países na Ásia a se equiparar ao Ocidente, ficou parecendo nanica perto do forte desenvolvimento da China depois da introdução das reformas voltadas ao mercado pelo líder chinês Deng Xiaoping no fim dos anos 1970.

Duas gerações

Em apenas duas gerações, uma "combinação bem-sucedida de integração com a economia mundial via comércio e investimentos externos diretos; de alto índice de poupança; de grandes investimentos em capital humano e físico; e de políticas macroeconômicas sólidas" contribuiu para o salto econômico da Ásia, segundo o mais recente panorama regional do FMI organizado por Koshy Mathai. "O período de dois séculos do Ocidente como potência mundial está no fim", argumenta Kishore Mahbubani em seu livro mais recente "A Queda do Ocidente?".

Matéria conclui que nos últimos 50 anos, centenas de milhões de pessoas na Ásia foram tiradas da pobreza e muitos países asiáticos passaram a ter o status de economias avançadas ou de renda média, segundo as definições do Banco Mundial. A Ásia continua sendo mais pobre do que o resto do mundo, mas a diferença vem encolhendo. O PIB per capita da China, pela PPP, ainda é cerca de 35% do americano e 44% do europeu. O PIB per capita da Índia é cerca de 20% do europeu, de acordo com dados do FMI.

Desde 2000, contudo, a diferença nos PIBs per capita da China e da Índia em relação aos dos EUA e Europa diminuiu muito. Ao longo desse período, a China se tornou quase cinco vezes mais rica que a África subsaariana, em produção média per capita, sendo que em meados dos anos 90, as duas regiões estava em níveis parecidos. A Ásia, seja qual for o critério usado, está prestes a reocupar o centro do palco econômico mundial. Quando o fizer, "o mundo vai ter feito um círculo completo", disse o professor Allen, citado pelo Financial Times.

Outra dimensão

Numa matéria anterior, o Valor Econômico disse que o Brasil poderia ser um dos principais beneficiados pelo crescimento de uma "nova China", mais urbana e rica, na avaliação de economistas que acompanham de perto o comércio internacional. "É um mercado que não apenas está crescendo, mas demandando produtos que podemos oferecer com grande vantagem comparativa. Isso tende a se intensificar", disse na matéria o ex-secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Marcello Estevão.

Para ele, a China passa por uma etapa normal de desaceleração. "Não vejo crise brutal na economia chinesa. Junto com a Índia, são quase 3 bilhões de pessoas entrando para a classe média, com a atividade crescendo 6%, 7% ao ano nos dois países. Não à toa a China é o nosso principal parceiro comercial."

A matéria cita também o presidente do "think tank" Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), José Pio Borges, que destaca que em aproximadamente duas décadas 80% da população chinesa deve estar morando em centros urbanos. Em 2012, o número de pessoas vivendo em cidades superou a população rural pela primeira vez na história.

Livio Ribeiro, pesquisador-sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), afirmou que "uma cidade pequena nessa China urbana tem de 500 mil a 1 milhão de habitantes”. “É outro tipo de dimensão", disse. Em 2002 os chineses compravam 5% de tudo o que o Brasil exportava, número que saltou para 23% em 2017.