O alienista

 Por Demitri Túlio*

O Alienista - Ilustração: Zuca Sardan

No final da história, o psiquiatra Simão Bacamarte resolve se internar em seu próprio asilo… O casarão verde, adaptado para colocar um País inteiro no hospício.

Até a própria esposa, dona Evarista da Costa Mascarenhas, porque usou um vestido vermelho, ele inferiu que ela tivesse sido tomada pelo desvario do comunismo. Uma esquerdopatologia grave.

É muito doida essa narrativa machadiana de hoje. Só que o médico, ao contrário, era uma pessoa inteligente e tinha disposição para o trabalho. Sim, a semelhança talvez fosse a insanidade obsessiva do moralismo hipócrita.

Simão Bacamarte tinha a ciência na cabeça, era um ser de leituras, mas agia feito um idiota fora da realidade coletiva. Mas as convicções seriam as mesmas, de um senso comum avassalador e achismo.

Até tinha um amigo, o boticário Crispim Soares, uma espécie de filho (talvez se eu fosse adaptar O Alienista para o teatro, ele seria um dos filhos). Daquele que falava pela boca do pai como se fosse o próprio médico. Sem nunca ter sido além de um machista, um playboy fora de época e metido com sargentos de milícia.

Pois muito bem. Os primeiros suspeitos de serem loucos, internados para tratamento de choque e doutrinação evangélica de direita, foram os funcionários do Departamento Florestal do País.

Para o doutor Bacamarte era impossível não ser louco quem defendia árvores em pé em vez de campos pulverizados com veneno e plantações de vacas e soja.

O mundo se acabando, as cidades se derretendo em enchentes como o próprio Rio do doutor Bacamarte, mortes, a lama de ferro enterrando Mariana e Brumadinho e o indivíduo brincando de ter uma Bic do poder.

Coitado do tempo presente e do futuro. E de um passado que não se imaginava voltasse a torturar.

Antes do fim da história, trezentas pessoas – os habitantes do País menos ele, estavam todas no hospício. Presos, sendo enlouquecidos mais ainda pelo doutor Bacamarte.

Era o bando de baitolas que o médico considerava doença mortal e anticristo. Confinou também os médicos que se dispunham a tratar pobres em zonas miseráveis e os cidadãos que não queriam se armar para atirar uns nos outros.

Ele pôs no manicômio os que se chocaram com os 80 tiros que assassinaram um seresteiro e um homem de rua que catava lixo. Mandou internar todos do Ministério da Alfabetização do País, ali também estava encruada uma esquerdopatia.

Ordenou também a internação de quem dava conselhos a outra pessoa. Achava que conselhos tinha haver com célula terroristas. Mandou isolar até as crianças para garantir a moralidade porvir do País.

Tão assim que expediu guia para internar até o cordão de puxa sacos que, idiotas feito o doutor Bacamarte, tinha fetiche por lamber coturnos.

Mas no fim das páginas do livro houve uma revolta inesperada e os enlouquecidos do doutor Bacamarte pulam as 100 janelas do hospício e voltam para as casas. Doces lares e a vidinha de sempre porque logo se acostumam com o pior.

Doutor Simão Bacamarte, sozinho, sem babões de suas conferências medíocres, resolve se internar no asilo que construiu.

Li assim O Alienista de Machado de Assis, obra de 1882. Livro recomendado pelo professor Luis Carlos ou a professora Sandra, do Redentorista.

Estou relendo O Idiota, de Fiódor Dostoievsk. O príncipe Michkin não tem nada a ver com o doutor Bacamarte. Mas são cenários convergentes, enfim.

Boa Páscoa! Mesmo que Michkin acredite que isso é só uma estratégia para vender ovos de chocolate.