A que interesses Bolsonaro atende ao facilitar o porte de armas?

Nesta terça-feira (7), o presidente Jair Bolsonaro decretou a "flexibilização" do acesso às armas de fogo. A violência pode crescer na esteira desta ação insana.

Por José Carlos Ruy

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A posse de armas de fogo foi facilitada nesta terça-feira (7) – o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro assinou o decreto nº 9.785 (publicado no Diário Oficial da União na quarta-feira, 8), flexibilizando a posse para 20 categorias profissionais, entre elas advogados, caminhoneiros, jornalistas, agentes de trânsito e políticos. É um ataque do capitão presidente ao Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003.

Em 23 de outubro de 2005, no referendo então ocorrido 63% dos eleitores votaram a favor do comércio de armas. A pergunta apresentada era capciosa: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?" Não era claramente uma consulta sobre a posse de armas, mas sobre seu comércio. Atendendo à intensa campanha da direita cujo mote dizia que a posse de armas é um direito do cidadão, quase dois terços do eleitorado responderam não. Se aquela consulta popular se repetisse hoje, nos meses iniciais do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, o resultado poderia talvez se inverter: uma pesquisa divulgada em dezembro de 2018 pelo Datafolha mostrou que 61% das pessoas apoiavam a proibição da posse de armas “pois representa ameaça à vida de outras pessoas”. É uma desaprovação crescente – em outubro de 2018 o número era 55%.

Estes dados mostram que os brasileiros parecem voltar à tradicional rejeição às armas, resultado talvez da barbaridade que dados estatísticos revelam ocorrer nos últimos anos.

O Atlas da Violência 2018, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), registra o tamanho da tragédia – a taxa de homicídio no Brasil é 30 vezes maior do que Europa; foram 553 mil mortes entre 2006 e 2016 – número superior ao de países onde há que guerra civil. Só em 2016 houve 62.517 assassinatos no Brasil. Isto significa 153 mortes por dia. A maioria de jovens e negros (71,5%) das periferias pobres: mais de 318 mil jovens foram assassinados entre 2005 e 2015.

Se o prazo for esticado, de 1980 até 2016, o número de mortos é ainda mais assombroso: chega a 910 mil.

Resultado, com certeza, do enorme número de armas que há nas mãos da população – dados do Exército (obtidos através da Lei de Acesso à Informação pelo Instituto Sou da Paz) mostram que cerca de seis armas são vendidas por hora. Até agosto do ano passado mais de 34 mil armas foram vendidas; ao todo, há quase 620 mil armas nas mãos de pessoas comuns.
Bolsonaro e a direita argumentam que o acesso às armas aumenta a segurança das pessoas.

Especialistas discordam e temem que, ao contrário, agrave o quadro de violência. Para o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de segurança pública no governo de Fernando Henrique Cardoso, José Vicente da Silva Filho, a "flexibilização" pode causar o "aumento exponencial do risco" pois o cidadão armado tem 70% mais chances de ser baleado num assalto.

Ao facilitar o acesso às armas, Bolsonaro – ao contrário do que diz – não age para proteger a segurança pública, mas pode agravar, e muito, a situação. A segurança pública é uma tarefa do Estado que seu governo deixa de cumprir.

Mesmo o argumento de que se trata do cumprimento de uma promessa de campanha pode se revelar uma falácia. Parlamentares da bancada evangélica, que apoiaram a eleição de Jair Bolsonaro, já se manifestaram contra a intenção de facilitar o acesso às armas.

Entre aqueles que, em outubro de 2018, votaram no candidato da extrema-direita, o Datafolha mostra também que a maioria deles rejeita a "flexibilização" anunciada pelo presidente – 59% são contrários, revela o Datafolha.

A pergunta que fica: a que interesses Jair Bolsonaro atende ao facilitar o acesso às armas? As suspeitas são muitas, e envolvem desde as criminosas milícias que agem no Rio de Janeiro, até as indústrias de armas e seus lobbies no Congresso, que apoiaram financeiramente a eleição do capitão-presidente.