A democracia resiste nos pequenos gestos

A tradição da Assembleia Legislativa é de respeito aos parlamentares em relação às indicações para recebimento de comendas, medalhas e títulos. Ainda que eu não concorde com as indicações de meu colega Assumção em designar para recebimento de título de cidadão Espirito-Santense Jair Bolsonaro, Moro e etc., por que considerar, como alguns gostam de dizer, que “nada fizeram pelo Espírito Santo”, vou defender o seu direito de fazê-lo.

*Por Iriny Lopes

Democracia

Parece estranho que parlamentares queiram quebrar o tratamento de civilidade estabelecido nesta Casa, de respeito aos eleitores que conduziram cada um dos 30 parlamentares aos seus mandatos. Cada qual de nós tem a sua ideologia, partidos alinhados à esquerda, que é meu caso, ao centro, direita e ultradireita, e o pressuposto é compreender que a política é um instrumento de debate, de reflexão, sugestão e aprimoramento e, principalmente, de representatividade.

Deputadas e deputados têm liberdade para indicar e agir conforme seus princípios e respeitando o seu eleitorado. Fui eleita por uma parcela da população que não se viu representada nesta Casa de Leis. Pequenos agricultores, mulheres, negras e negros, jovens, LGBTs, para citar alguns setores. Portanto, é coerente que eu defenda esses grupos discriminados, que muitos na Ales chamam de “minorias” e ainda acrescentam uma frase comum de sugerir que eu deveria legislar para “toda a população”, como se esses setores não fossem parte desse todo. Que raciocínio é esse que parte expressiva do povo não está incluída no genérico que essas pessoas chamam de sociedade? E por que eu, que fui eleita por parte desse eleitorado, deveria esquecer tudo em que acredito e disse e me alinhar aos conservadores?

Ao indicar Jean Wyllys, deputado federal eleito pelo PSOL do Rio de Janeiro e que teve que abandonar o país por ameaças muito graves de morte a ele e seus familiares – ameaças que partiram de milicianos e outros grupos que acreditam na bala acima de tudo (até mesmo acima de Deus). Uma prova de que os setores armados não só ameaçam, mas executam de fato quem pensa diferente foi a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A indicação se deve à resistência que Jean demonstrou nesses anos todos dentro e fora do Parlamento, em defesa da democracia, de grupos historicamente perseguidos e que, embora os deputados locais não queiram, existem no Espírito Santo. É disso que estamos falando.

João Pedro Stédille, além de integrante do MST, é coordenador da Frente Brasil Popular, que reúne movimentos sociais diversos em torno da defesa da democracia desde o golpe contra Dilma Rousseff. A Frente Brasil Popular é muito ampla se posicionou nas ruas contra a reforma trabalhista, contra o fim do Ministério da Cultura, entre tantos retrocessos que temos assistido desde 2016. Recentemente se juntou às estudantes, aos alunos, professores, pais contrários ao corte de 30% nos recursos da Educação. João Pedro é um árduo defensor da democracia, esteja ela ameaçada aqui, ou em todo o País. Faço aqui um parêntese para ressaltar que além dos dois indiquei o compositor, integrante da Velha Guarda da Portela e, para desespero dos meus pares, um homem de esquerda, o nobre Monarco.

De novo, as indicações estão relacionadas à luta pela democracia. É tão sintomático que oito parlamentares homens tentem cassar o direito de uma das raras mulheres neste parlamento, e talvez a única de esquerda e que usem métodos intimidatórios, truculentos, arregimentando o ódio e o preconceito pelas redes sociais e mídia e que queiram se colocar acima de tudo e todos para fazer valer a sua ideologia. Lembro a quem insulta Jean que a maioria do STF decidiu que homofobia virou crime, assim como o racismo.

O país é plural, múltiplo e, por isso mesmo, os setores escolhem parlamentares identificados com suas causas. Não somos “juntos e shalow now”. Eu tenho princípios e grupos sociais que desejam ter voz na Assembleia. Por isso e por eles é que fui eleita. A democracia é meu norte e reside nos pequenos gestos. O autoritarismo também. Esse é um episódio que demonstra o quanto a liberdade de expressão e pensamento andam sob ameaça no país.

No mais, saudações pra quem tem coragem!