Decisão do STF sobre homofobia desperta obscurantismo

Reações manifestaram pensamento retrógado e crítica sobre a relação entre os Poderes da República.

A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de equiparar homofobia ao crime de racismo é um importante passo rumo a consolidação da cidadania. Ela rompe barreiras do preconceito e por isso mesmo foi recebida com manifestações de obtusidade dos setores que se recusam a refletir sobre a modernização das relações sociais.

É o caso do presidente Jair Bolsonaro, que se esmerou nas tiradas grosseiras, como a declaração de que “a decisão do Supremo, com todo o respeito aos ministros, foi completamente equivocada". Para exemplificar seu pensamento retrógado, Bolsonaro afirmou que um gay agora poderá ter mais dificuldade em arranjar um emprego, pois o patrão ficará receoso de ser acusado falsamente de racismo se o futuro funcionário for demitido um dia. Obtusidade maior, impossível.

Mas ele não ficou só nessa posição. A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) divulgou, nesta sexta-feira (14), uma nota de repúdio à decisão do Supremo, dizendo que ela gera "grave instabilidade pela clara usurpação de competência legislativa". Segundo a FPE, "a referida decisão gera uma insegurança em nossa sociedade, pois fulmina de forma mortal o princípio da reserva legal, o qual dispõe que em matéria penal somente o legislador pode intervir para prever crimes e penas".

"Não estamos numa ditadura e a ela resistiremos, uma vez que direitos fundamentais de liberdade de expressão e liberdade religiosa foram restringidos para a grande maioria da população que optou por orientação sexual diversa da escolhida pelos Ministros do STF", diz a nota da FPE. A tese votada pela maioria dos ministros do Supremo, contudo, dedicou uma parte para estabelecer parâmetros de respeito à liberdade religiosa. "A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada”, afirma.

Senado e PGR

A presidência do Senado, por sua vez, divulgou nota na qual diz respeitar a decisão do STF que permitiu a criminalização da homofobia e da transfobia. O documento, no entanto, diz que o Parlamento “não pode aceitar a interpretação de que é omisso”. “A Constituição Federal assegura ao Congresso Nacional a atribuição de legislar. O Parlamento respeita a decisão do Poder Judiciário na sua independência e autoridade para dirimir conflitos constitucionais, mas não pode aceitar a interpretação de que é omisso, uma vez que se guia pela devido respeito à democracia e à pluralidade de opiniões, representadas nos diferentes parlamentares eleitos pelo povo”, diz trecho da nota do Senado.

A presidência do Senado também diz que, em maio, a Casa encaminhou um parecer ao Supremo no qual informou que os senadores analisaram, recentemente, duas propostas que tratam de proteção a homossexuais e indivíduos transgênero identificados com o sexo feminino. Um desses projetos foi aprovado, em primeiro turno, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e prevê punições para a discriminação ou preconceito por sexo, orientação sexual e identidade de gênero. A proposta ainda terá de passar por nova votação na comissão e, se for aprovada, seguirá para análise dos deputados.

O outro projeto citado na nota do Senado amplia o alcance da Lei Maria da Penha para proteger também transexuais e pessoas transgênero. O projeto ainda precisa ser analisado pelo plenário da Casa. Se for aprovado, também seguirá para votação na Câmara. “O Parlamento brasileiro é ciente da sua competência constitucional de legislar assim como tem responsabilidade com o povo brasileiro para tomar as decisões com cautela, ouvindo e dialogando com todos os setores envolvidos. Sabe-se que é preciso defender as minorias, mas o cuidado do legislador também objetiva não provocar um movimento tal que resulte em ação contrária ao que se busca”, diz outro trecho da nota do Senado.

Para procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a decisão da Corte defende a participação dos cidadãos na coisa pública e vai no sentido de repudiar a morte de minorias dentro da sociedade. “É claro que temos muito ainda a superar, muito a preservar, mas sabemos que decisões como as tomadas nesta Corte no plenário ontem [quinta], claramente defensoras da participação da sociedade civil na coisa pública e que repudia a morte de minorias dentro da nossa sociedade, devem-se muito à compreensão que temos da nossa própria história, ao fortalecimento da Constituição de 1988, num caminho que vai se mostrando seguro e em busca da construção de uma sociedade mais justa e igualitária, em que haja espaço para todos”, afirmou.