Justiça determina que João Doria continue “morto” no site do PCO 

O governador João Doria foi à Justiça para “ressuscitar”. No conto “Sobre a brutal morte do prefeito João Doria”, escrito por William Dunne e publicado em 28 de abril de 2017 no Diário Causa Operária, o tucano é morto depois de ser “atirado de uma ponte”, em meio a uma revolta de manifestantes. Doria tentou censurar o site, que é ligado ao PCO (Partido da Causa Operária). Para a juíza Samira de Castro Lorena, da 1ª Vara Civil de Jabaquara, o conto é apenas de “de mau gosto” e não será vetado.

Na petição dos advogados de Doria – que era prefeito de São Paulo em 2017 e foi eleito governador no ano seguinte –, o texto do PCO é apontado como “um verdadeiro manual do que não se pode fazer na internet”. Mesmo admitindo tratar-se de um “conto fantasioso”, a peça diz que a narrativa “induz os leitores extremistas do partido a tomarem alguma atitude violenta contra João Doria”. Detalhe: não existe uma única acusação de agressão de militantes do PCO a autoridades tucanas – o que revela o teor preconceituoso da ação.

Com base nessa fantasia – mais irreal que o próprio conto –, Doria e seus homens alegaram que “a livre manifestação do pensamento, portanto, em hipótese alguma pode se sobrepor ao direito à vida”. E exageraram ainda mais: “a partir do momento em que se divulga algo desse gênero na rede mundial de internet, o Poder Judiciário deve agir justamente para que se evite o pior, quando então já será tarde”.

Até a Justiça paulista, invariavelmente simpática aos pleitos do PSDB, não engoliu a lorota de Doria. Samira, a juíza, deixou claro que, apenas em casos extremos, uma medida desse porte – a censura – deve ser ordenada pela Justiça. Se houve eventualmente “uso abusivo da liberdade de expressão”, que Doria busque “mecanismos diversos como a retificação, a retratação, o direito de resposta e a responsabilidade civil ou penal”.

A parte mais esclarecedora de determinação da juíza lembra um fato dos mais óbvios para a defesa de Doria: não houve “prejuízo para a integridade física ou psíquica”, nem para a imagem do tucano, já que, no ano seguinte, ele foi eleito governador. Ou, como registrou o PCO, Doria “acredita que só pode escrever sobre ele se for para elogiar suas ações, coisa que nem mesmo a imprensa burguesa tem conseguido fazer”.

Contos e fantasias à parte, Doria continua vivo. As gestões que iniciou, como prefeito e governador, é que padecem de traços decrépitos.

Da Redação, com informações da Folha de S.Paulo

Leia abaixo o conto:
 
Sobre a brutal morte do prefeito João Doria

Por William Dunne
Não sei dizer como chegamos a tal ponto. “Pega ele! Pega o Doria! Pega esse filho da puta!”, diziam. Eu também dizia, contagiado pelo entusiasmo à minha volta. Até então eu acreditava ser pacifista. Eu queria ser um bonobo, um macaquinho que passa o dia comendo e trepando e que não briga nem mata seus irmãos da mesma espécie. Queria que tudo acabasse em uma grande ciranda de solidariedade universal.

Antes que o desgraçado conseguisse alcançar o helicóptero na cobertura da prefeitura, em uma tentativa de fuga que se revelaria fútil, aquele inimigo do povo foi apropriadamente capturado como um animal. A euforia parecia ter-se impregnado no ar frio de final de abril. A turba dava vazão a anos de fúria acumulada.

Em cada hora de trem lotado, em cada refeição pulada, em cada batida policial truculenta, em cada nota vermelha na escola, em cada olhar desdenhoso dos almofadinhas, um ódio temperado por anos de raiva e dor reprimidos.

Não sei dizer como chegamos a tal ponto. Era dia de greve geral, uma greve política em que os trabalhadores se levantaram contra o governo. A mobilização ainda engatinhava, mas a polícia reprimiu a massa de forma tão desproporcional e havia tanta gente nas ruas que o confronto acabou desencadeando uma revolta generalizada.

Depois de apanhar muito, lá estava Doria, lá embaixo, todo ensanguentado, sendo jogado de um lado pro outro no Viaduto do Chá. A violência era chocante e obscena. De repente, o prefeito foi apanhado pelos braços e pelas pernas, e começou a ser balançado de um lado pro outro. Quando já tinha pego o impulso necessário, o alcaide foi arremessado da ponte.

Doria decolou para fazer seu último voo, não de helicóptero, mas direto pro chão, para se espatifar todo no Vale do Anhangabaú.

Um silêncio solene antecedeu à irrupção de uma grande festa. O povo estava aliviado por se livrar de tal peso inútil das suas costas. Atordoado, fui pra minha casa, imaginando em que espécie de guerra civil estávamos nos metendo.