Flávio Vinícius: Paulo Freire e o “pobre de direita”

"Governo estimula e o consumo acontece
Mamãe de todo mal e a ignorância só cresce"
(Criolo)

Paulo Freire
Em sua obra principal, Pedagogia do Oprimido (1968), ao analisar o processo de libertação cultural dos homens que sofrem a opressão, Paulo Freire observa que “raros são os camponeses que, ao serem ‘promovidos’ a capatazes, não se tornam mais duros opressores de seus antigos companheiros do que o patrão mesmo” (2005, p. 36). Seria este um exemplo do tão polêmico “pobre de direita”?
 
Paulo Freire não emprega essa oposição entre esquerda e direita. Seu trabalho desenvolve-se em torno do binômio oprimido e opressor. Sem entrar em maiores detalhes a respeito das diferenças entre essas categorias sociais, e do rigor cientifico do termo pobre de direita, o conceito de oprimido deve ser aqui identificado com aquele homem localizado na camada mais vulnerável da sociedade, o que se denominou na linguagem popular como ‘pobre’.
 
E o que leva o oprimido a aderir ao comportamento do opressor? O homem oprimido, segundo Paulo Freire, é o resultado de uma situação de opressão. E nesse contexto, reproduz os valores e as práticas dominantes nessa sociedade desigual e autoritária. "Para eles, o novo homem são eles mesmos, tornando-se opressores de outros" (FREIRE, 2005, p. 35).
 
Somente uma revolução cultural permanente, mais tarde sintetizada no conceito de concientização, seria capaz de cessar essa ordem social injusta. E essa revolução tem a educação como um dos vetores fundamentais de transformação. É diante desse desafio que faz sentido a famosa sentença atribuída a Paulo Freire: "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor". O surgimento do homem livre, nem opressor, nem oprimido, passa por uma educação libertadora.
 
Pensamento crítico versus ideologia do consumo
Parte da polêmica em torno do chamado pobre de direita vem de sua rejeição ao projeto político que mais beneficiou o trabalhador e os setores vulneráveis da sociedade. Nunca antes na história do país o trabalhador teve tanto poder de consumo como nos governos populares de Lula e Dilma (2003 a 2015). 
 
E aí reside o problema. A política de combate às desigualdades nesse período estava assentada na inclusão social por meio do consumo. E não de uma visão critica sobre as desigualdades e a ordem social que garante a sustentação desse status quo. Assim como o projeto pedagógico na educação, em seus mais diversos níveis, estava alinhado a uma perspectiva de emancipação individual dentro desse padrão de sociedade do consumo, mediante a formação profissional para o mundo do trabalho.
 
Dentro dessa ideologia de mercado, vendida como uma revolução social, ser livre é poder comprar ainda mais. O homem de sucesso é aquele que detêm o poder de consumir acima da media da sociedade. O dinheiro, portanto, é a porta de entrada para o mundo da liberdade. 
Partido do ponto de vista freiriano exposto acima, podemos compreender o pobre de direita como resultado de uma política que, longe de romper com as bases da sociedade desigual e injusta, reforça esse padrão. E ainda cria uma percepção superficial da identidade de classe daqueles trabalhadores que alcançaram, mesmo que timidamente, um patamar superior de sua condição econômica, quando o governo propaga que ele faz parte de uma “nova classe média”, ideia tão criticada pelo sociólogo Jesse Souza (2019, p. 114). 
Sem compreensão crítica de sua própria condição social, muitos desses trabalhadores estão hoje ao lado daqueles que propõem a destruição dos diretos laborais, do sistema de seguridade social e do patrimônio nacional que foi construído com o sangue e o suor do povo brasileiro.
Ainda sob o prisma do educador pernambucano, é fundamental pensar a sociedade fora dos limites impostos pelo sistema em vigor. Superar a ordem social opressora a partir de uma ruptura com a educação tradicional, compreendida em sentido amplo, para além da escola. E persistir na formação de um sujeito crítico que compreenda sua posição social e as relações de poder que movimentam a roda da fortuna ou do infortúnio.