Universidades são alvos dos ataques de Bolsonaro

Bolsonaro elegeu as universidades federais como seu alvo de ataques, durante esses seis primeiros meses de mandato, ao disparar embustes como marca de uma prática cotidiana, que mistura o privado com o cargo mais alto da República Brasileira.

Bolsonaro e Weintraub - Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil

Em abril deste ano, o presidente declarou em entrevista que “poucas universidades no Brasil fazem pesquisa. E das que fazem, a maioria está na iniciativa privada, como a Mackenzie em São Paulo”. Como diz o dito popular “mentira tem pernas curtas”, logo desmentido pela grande mídia que mostrou com dados que das 50 universidades mais produtivas do país, 49 são públicas. A única instituição privada que aparece nesse grupo é a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

Já o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, em resposta às críticas do contingenciamento dos recursos orçamentários do MEC para as Instituições Federais de Ensino Superior declarou que a prioridade eram as universidades privadas. Em um encontro com representantes das redes de ensino superior particular afirmou que o setor é a prioridade para o governo Jair Bolsonaro na busca pela expansão de vagas.  No mesmo dia disse que três universidades federais teriam cortes de 30% do orçamento por promoverem o que ele chamou de “balbúrdia” e por não terem foco na qualidade.  Muito embora as universidades citadas (Universidade Nacional de Brasília -UNB, Universidade Federal da Bahia-UFBA e a Universidade Federal Fluminense-UFF), tenham boa produção acadêmica. As declarações do ministro Weintraub gerou uma crise de relação entre o MEC e todos os reitoras e reitoras da IFES e repúdio geral em toda a sociedade resultando nas grandes manifestações de 15 de maio. Por sua vez Bolsonaro respondeu a convocação das manifestações dizendo que os estudantes eram “idiotas úteis”. E por contra os estudantes fizeram as maiores manifestações de rua desde junho de 2013.

Future-se não é avanço

A maioria das 32 universidades federais e institutos federais de seis estados brasileiros está recomendando cautela ao Future-se, lançado em julho pelo Ministério da Educação. O programa prevê a criação de um fundo privado, com cotas negociadas na Bolsa de Valores para financiar universidades e institutos federais atividades de pesquisa, inovação, empreendedorismo e internacionalização das instituições.

O documento que foi apresentado teve pronunciamentos públicos de várias reitorias que mostram os riscos à perda de autonomia universitária, falta de clareza quanto aos objetivos do programa, além da incerteza em relação a atual situação das instituições de ensino superior que iniciam o período em total situação de penúria. A maioria deverá decidir a adesão ou não após o programa se transformar em projeto de lei pois em vários pontos irão exigir modificação na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O documento de todas as universidades e institutos federais do Rio de Janeiro aponta que: “As universidades do Rio de Janeiro criticam o modelo de gestão por contratos firmados com organizações sociais e a supervisão do programa por um comitê gestor indefinido: “A proposta tem aspecto de uma carta branca para que um órgão externo às IFES, composto por membros ainda desconhecidos, e sem necessidade de licitação pública, intervenha não somente na gestão, mas nas políticas acadêmicas do ensino superior, o que pode configurar um atentado ao princípio constitucional da autonomia das IFES”.

No documento: “Apreciação preliminar doprograma Future-se (MEC), elaborado pelo GT-Educação Superior ao Presidente da Câmara dos Deputados” elaborado pelos ex reitores: Roberto Salles, Thompson Mariz e pelas ex reitoras: Ana Lúcia Gazolla e Eliani Superti alerta que: “O MEC não apresenta respostas às necessidades imediatas de manutenção do funcionamento das instituições. A projeção de futuro deve ser acompanhada pela imediata garantia de funcionamento das universidades e institutos federais”.

Há risco de se interpretar que a contenção de recursos orçamentários do governo federal no presente possa ser meio para forçar a adesão ao Programa. Não se cumpriu, até o presente, a liberação anunciada pelo MEC, em 23 de maio de 2019, de reserva de contingência para universidades e institutos federais no valor de R$ 1,5 bilhão.

Os recursos privados previstos na modelagem do Future-se não irão chegar nas instituições a curto prazo. A viabilização de um fundo imobiliário, leva muito tempo. Existe a necessidade de ocorrer o levantamento de todo o patrimônio imobiliário, vender cotas para o mercado, esperar o dinheiro render e só depois reverter para as universidades. É um processo muito longo de maturação. O MEC ainda não criou, mas não consegue ainda responder o que será feito nesse longo período de transição. Como as IFES serão mantidas diante dos crescentes contingenciamento de recursos.

A autonomia das IFES previstas no artigo 207 da Constituição de 1988 não pode servir para a total desobrigação do Estado no financiamento da Universidade como está previsto com o Future-se. As IFES historicamente captam recursos que são geridos através de suas fundações de apoio. Como exemplo temos toda a pesquisa do Pré-Sal feita com recursos da Petrobras, uma boa parcela da Pesquisa e Desenvolvimento do Submarino Nuclear com a Marinha do Brasil e o convenio entre o SUS e os hospitais universitários para prestação de serviços de toda a rede.
Algumas empresas privadas nacionais também possuem projetos com a IFES através de seus centros de P&D. Mas como em todos as grandes potências mundiais nenhuma Universidade se mantém sem o financiamento estatal. O Future-se menospreza as atuais 96 fundações de apoio que atuam na captação de recursos privados para 130 universidades públicas do País. Algumas atuando há mais de 25 anos nas IFES. Elas nos últimos anos captaram R$ 5 bilhões para gerir 22 mil projetos de pesquisa, ensino e extensão por ano nas universidades.

Em relação a contratação de pesquisadores através de concursos via CLT o MEC o MEC foge dessa proposta que desde 2014 está em discussão na CAPES. Isso se refere a contratação de docentes temporários que pela tradição acadêmica e pelo mérito é realizada através de concurso público. O Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior (Confies), que atua exatamente na arrecadação de recursos privados, diz que o clima de descrédito ao qual o ministro expôs as universidades nos últimos meses, com críticas sobre não saberem gerir dinheiro público e promover “balbúrdia” também prejudica a captação de investimentos para o Fundo Soberano de R$ 100 bilhões que o MEC pretende instituir para as atividades de manutenção e custeio das universidades.

O programa foi lançado em meio as graves crises de custeio para manutenção das atividades essenciais das Instituições Federais de Ensino Superior. Ele é uma continuidade do “Uma Ponte para o Futuro” lançado em 2015 pelo PMDB. Nesse documento havia a proposta de “Acabar com as vinculações constitucionais” para os gastos com saúde e educação. Segundo o documento, esse tipo de despesa obrigatória foi criada por conta de um “receio de que o Executivo pudesse contingenciar” gastos em caso de necessidade. E essa é uma das medidas que o Ministro da Economia Paulo Guedes esse ano colocou duas vezes em prática após as quedas seguidas do PIB. aposta na manutenção de patamares excessivos de juros, na privatização acelerada, na desnacionalização de empresas brasileiras, no privilegiamento do setor privado, na continuidade e mesmo na ampliação dos desbalanceamentos de um sistema tributário que penaliza o consumo e pouco cobra da renda e da propriedade, sobretudo, na implantação de uma política de redução de investimentos nas áreas sociais. A ‘Ponte’, ao discorrer sobre “uma agenda para o desenvolvimento”, considera que o “(…) aumento do consumo das famílias, alimentado pelo crescimento da renda pessoal e pela expansão do crédito ao consumo” é um modelo cujos “motores esgotaram-se, e um novo ciclo de crescimento deverá apoiar-se no investimento privado e nos ganhos de competitividade do setor externo, tanto do agronegócio, quanto do setor industrial”.

O cenário de luta em Defesa da Educação se apresenta nos próximos dias com a grande paralisação nacional dos estudantes no dia 13 de agosto e se prolonga no Congresso Nacional com a possível chegada do Projeto de Emenda Constitucional enviado pelo Governo pois o Futura-se pretende também modificar cerca de 18 dispositivos constitucionais relacionados a Educação.
*Hélio de Mattos Alves é professor professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ