Fernando Haddad: Os militares e a política
Quem quer que se interesse por política deveria ler o livro Forças Armadas e Política no Brasil (2005), de José Murilo de Carvalho, relançado em 2019 com textos inéditos. O autor nota que cinco das nossas sete Constituições, inclusive a atual, atribuem papel político aos militares, como se a República precisasse de uma bengala e a democracia não pudesse resolver os problemas nacionais nos seus próprios termos.
Por Fernando Haddad*
Publicado 03/08/2019 10:44
Um novo capítulo relembra postagem do general Villas Bôas às vésperas do julgamento pelo STF de pedido de habeas corpus a favor de Lula. Embora a mensagem do general falasse de respeito à Constituição, na realidade a agredia, pois pressionava um poder da República a contrariá-la.
O livro recupera a participação política dos militares desde a proclamação da República (1889), passando pela Revolução de 1930, e o poder desestabilizador do tenentismo nesses dois episódios. Retoma, também, o papel que os militares desempenharam nos golpes de Estado de 1937 e 1964 que interromperam o calendário eleitoral, invocando o fantasma do comunismo e impondo a volta ao regime autoritário.
Depois da leitura, impossível não conjecturar sobre as semelhanças e diferenças com o momento atual. Em relação às semelhanças, há dois paralelos inevitáveis.
Em primeiro lugar, assim como Getúlio (quando os militares lhe retiraram o apoio) e Jango, Lula parece ter sido vítima de um sentimento antipopular refratário à promoção da incorporação das massas via participação no mercado e na política. Soberania popular é um conceito que não foi plenamente assimilado pelos militares. Em segundo, parece que tensões corporativas, como as que precederam 1889 e 1930, originando movimentos ostensivos das briosas Forças Armadas, parecem ter sido reacendidos após a instalação da Comissão da Verdade.
Quanto às diferenças, vejo duas importantes. Em primeiro lugar, a instrumentalização do Poder Judiciário com fins político-partidários. As reportagens publicadas por esta Folha em parceria com The Intercept não deixam dúvidas sobre a atuação ilegal e parcial de Moro e Dallagnol (Batman e Robin, na opinião do general Augusto Heleno) na condução da Lava Jato.
Em segundo lugar, a deturpação do conceito de soberania nacional, reduzida à ideia de defesa do território. Os militares parecem totalmente entregues a agenda ultraliberal de Guedes, que anunciou a pretensão de vender todas as empresas estatais brasileiras e de abrir unilateralmente o nosso mercado.
Pelo jeito, restará ao povo deste novo protetorado americano vender bijuterias de nióbio em Angra dos Reis.
* Fernando Haddad, professor universitário, foi ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e prefeito de São Paulo.