As cartas de Lula
O aniversário de Chico Buarque, a internação de um caro amigo e a declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre o desaparecimento do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, não passaram em branco pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos 488 dias de prisão na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba.
Publicado 09/08/2019 20:25

Da mesa redonda na cela de 15 metros quadrados, no 4º andar da Superintendência paranaense da PF, com uma caneta esferográfica de tinta azul e folhas arrancadas de um caderno de brochura, o ex-presidente já escreveu pouco mais de 50 cartas e bilhetes do cárcere. O forte abraço por extenso, acompanhado, por vezes, da frase "Sem medo de ser feliz" — trecho do jingle da campanha presidencial de 1989 — seguem no fim de cada carta entregue aos "camaradas" do Partido dos Trabalhadores, às personalidades da cultura popular, como Beth Carvalho e Chico, e até a catadores de materiais recicláveis às vésperas do Natal. As informações são de Rayanderson Guerra, colunista da revista Época.
Uma das cartas mais recentes do ex-presidente foi endereçada ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz . Lula enviou três parágrafos em solidariedade ao advogado após o presidente Jair Bolsonaro dizer que se Santa Cruz quisesse saber a verdade sobre o desaparecimento do pai durante a Ditadura Militar, ele lhe contaria. “Nada poderá reparar o sacrifício de seu pai, meu caro Felipe, nem a ofensa brutal que o vitimou mais uma vez. Mas tenha certeza de que a imensa maioria do povo brasileiro ama a paz e a democracia. Sempre vamos reverenciar nossos verdadeiros heróis, e é isso que os tiranos não conseguem suportar”, escreveu.
As cartas de Lula são diretas quando quer mandar recados aos adversários e militantes de esquerda e, quase sempre, pessoais e afáveis aos amigos. Algumas palavras são comuns nos seus escritos. Palavras como "Brasil", "povo", "camaradas" e "Direito" são costuradas em reafirmações de inocência e críticas a sua prisão.
Nos recados aos "camaradas", Lula chama Dilma de Dilminha: “Desejo toda sorte do mundo, Dilminha, aqui estou preparado para enfrentar o Moro e as mentiras da minha condenação. Dilma, meu lema agora é: 'Não troco a minha dignidade pela minha liberdade'”.
Manda beijos para a "netinha" do jornalista Fernando Morais e não se furta a elogiar os amigos, como na última carta para Beth Carvalho, nos dias que antecederam a morte da madrinha do samba, em abril, vítima de infecção generalizada. "Fiquei sabendo que você está internada e fiquei muito triste porque se tem uma pessoa que passou a vida inteira fazendo a alegria para os brasileiros foi você, querida Beth. Quero de coração dizer que te amo como ser humano. Maravilhosa mulher, e deusa do samba".
Os bilhetes a artistas e personalidades da esquerda são frequentes. Em maio deste ano, quando Chico Buarque venceu o Prêmio Camões, um reconhecimento da literatura em língua portuguesa, Lula também escreveu ao artista parabenizando-o pelo feito. O ex-presidente já havia enviado outro bilhete ao compositor, nas palavras de Millôr Fernandes, "a única unanimidade nacional". “Parabéns pelo aniversário. Que continue sendo esta figura humana extraordinária que o Brasil e o povo tanto admira e respeita”.
Um ano após o assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco, em uma emboscada no centro do cidade, Lula escreveu em memória da socióloga, política, feminista e defensora dos direitos humanos. “Lamento ter chorado a morte de Chico Mendes e de Marielle Franco. Mas tenho certeza que assim como a luta de Chico não morreu com ele, ficou maior, também tem sido assim com a Marielle. Que todos os culpados, inclusive mandantes, sejam punidos. O Brasil precisa de Marielles, de paz, de democracia e solidariedade. Marielle vive. As lutas não são em vão.”