Marcelo Toledo: A classe operária e a reforma da Previdência
Há um profundo debate acerca da nefasta reforma da Previdência Social nas redes sociais, na mídia tradicional e nas alternativas. Mas é apenas na mídia do campo progressista e de esquerda que, de forma realista, se aponta a verdadeira face de destruição de direitos históricos da classe trabalhadora.
Por Marcelo Toledo*
Publicado 10/08/2019 13:31
O texto da reforma, já aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado, atinge não apenas os trabalhadores rurais – mas todos de baixa remuneração, os mais pobres, um contingente expressivo da população. São penalizados os trabalhadores sem profissão, ou com profissões que, ao longo do tempo, perderam sua especialização em face da introdução das novas tecnologias. Sem contar os que chegam a uma idade em que não conseguem se aposentar e precisam do amparo do Estado – daí a importância do Benefício de Prestação Continuada (BCP).
Entretanto, pouco tem se falado, nesses debates, a respeito dos trabalhadores com especializações mais técnicas, aqueles que trabalham em condições especiais (insalubres e perigosas), assim como em trabalhos penosos (que criam sequelas físicas, emocionais e outras, conhecidas no mundo do trabalho como doenças profissionais). Há parcelas importantes do operariado de baixa renda que desenvolve sua vida profissional em condições insalubres, perigosas e penosas.
Sem negar a situação dramática como a reforma atingirá a enorme camada de trabalhadores de baixa renda, é preciso analisar, de forma focada e particularizada, essa camada de trabalhadores mais técnicos. Esta é, afinal, a força de trabalho que cria mais-valia com alto valor agregado no processo de produção de mercadorias.
Mesmo esses profissionais, mais qualificados profissionalmente, têm sofrido um processo de precarização nos salários e nas relações de trabalho. Na verdade, ninguém escapa do processo da aplicação das novas tecnologias no processo produtivo. É oportuno falarmos sobre a realidade que se avizinha para esse segmento do proletariado.
O ataque a esses profissionais com a reforma é devastador. Além de ignorar o trabalho perigoso e insalubre, a reforma desconsidera o reflexo da atividade operária na saúde musculoesquelética do trabalhador. Com o passar dos anos – e, em muitos casos, em pouco anos de atividade produtiva –, esses trabalhadores já apresentam deficiências físicas para dar continuidade a seu melhor desempenho profissional.
Vejamos o exemplo dos ferramenteiros. Entre 40 a 50 anos de idade, esses profissionais já apresentam algum tipo de debilidade em seu organismo, fruto do próprio trabalho. São dores e rompimento nos tendões dos ombros, deficiência na coluna lombar e cervical, lesões nos punhos e no antebraço, entre outros problemas. Mesmo sofrendo com essas limitações, muitos não chegam a falar de sua situação ou a entrarem com processo jurídico, com receio de serem demitidos.
Outra situação lastimável ocorre quando um trabalhador faz exame pelo convênio médico. Por vezes, a empresa fica sabendo, pelo convênio, que esse trabalhador desenvolveu alguma limitação decorrente do trabalho – mas não tenta protegê-lo de lesões profissionais, conforme determina a Constituição. Mesmo sabendo que esse funcionário poderá desenvolver uma determinada doença do trabalho, a empresa o expõe a uma considerável piora em sua saúde, provocando um profundo desgaste emocional e físico.
Até 1995, bastava pertencer à categoria metalúrgica para que o trabalhador, automaticamente, tivesse asseguradas condições especiais para aposentadoria. Depois daquele ano, para conceder o direito à aposentadoria especial, a Previdência Social passou a exigir laudos técnicos. O problema é que quem emite esses laudos, conhecidos como Perfis Profissiográficos Profissionais (PPP), são os empregadores. É desnecessário dizer como os patrões tentam se safar.
Ao alterar o arcabouço teórico da Previdência e acabar com a aposentadoria especial, a reforma impõe um desastre sem tamanho. A própria Previdência Social classifica, hoje, centenas de agentes químicos potencialmente prejudiciais aos trabalhadores no processo produtivo, principalmente os cancerígenos. Exemplo desse material são os óleos de extração mineral do petróleo, com os quais os profissionais ferramenteiros e outros metalúrgicos têm contato cotidiano.
Ao problema da saúde ocupacional, negado pela reforma, soma-se a idade mínima de 65 anos para os homens e 62 para as mulheres. É de conhecimento no mundo do trabalho que a chamada “idade produtiva” vai até os 40 anos de idade. Depois disso, crescem os riscos de doenças profissionais e mesmos doenças oriundas do próprio desgaste do tempo. Ora, será que os empresários garantirão a continuidade dos trabalhadores até que eles atinjam a idade mínima para assegurar o direito a aposentadoria?
A reforma do governo Bolsonaro, no final das contas, põe absolutamente todos os trabalhadores – dos menos aos mais qualificados profissionalmente – na mesma situação: na miséria.
* Marcelo Toledo (“Alemão”), secretário de Formação da Fitmetal (Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil), é membro do Comitê Central do PCdoB